terça-feira, 1 de abril de 2008

A Construção do Natural

O texto da bióloga Marise Basso Amaral - (Tele)natureza e a construção do natural - é disparador de um olhar para a cultura vigente da natureza utilitária, na qual o homem delega a si um papel tanto de senhor quanto expectador, mas de forma alguma parte deste meio ambiente. A autora denuncia o papel da publicidade e da escola enquanto re-apresentadoras da natureza como recurso, uma fonte em que tudo pode ser patenteado, envazado, rotulado e vendido, como se fosse este processo algo natural.

O ser humano é esvaziado de seu significado, assim como a natureza da qual é parte, tornando-se ambos passíveis da manipulação que a indústria e o capital julgarem úteis. A essência do homem justamente se perde quando, por meio da publicidade, define-se escala de valor para as pessoas de acordo com o que vestem, bebem, dirigem... Torna-se indispensável ter o celular de última geração, o automóvel com as linhas mais arrojadas e o computador com o processador mais rápido, ainda que o consumidor vá usar o novo telefone apenas para fazer e receber ligações de modo usual, deslocar-se do ponto A ao ponto B pela mesma rota do carro "velho" ou manter os mesmos hábitos de utilização do pc "obsoleto". Em um mundo com internet rápida, incontáveis canais disponíveis nas telas de tvs de dezenas de polegadas, reuniões conduzidas por tele-conferências, alimentos geneticamente modificados e pesquisas com células-tronco, um número gritante destes mesmos seres humanos abriga-se como pode sob viadutos, come restos, definha doente e morre sem qualquer acesso a tudo o que é vendido como natural. É como se o fato de eu estar digitando este texto e posteriormente enviá-lo sem fio para a rede mundial de computadores, ao mesmo tempo que em frente à minha residência alguém revira o lixo em busca das minhas sobras devesse ser encarado apenas como uma fatalidade ou, mais grave ainda, precisasse ser ignorado. Alguém ainda não se perguntou o porquê de tamanha discrepância numa sociedade na qual alguns abrem sua garrafa de água mineral enquanto outros sucumbem doentes, vítimas da ingestão de água sem condições de consumo? Tal questionamento me faz pensar que nos planejamentos anuais dos currículos escolares até se menciona a problemática da poluição e da contaminação das águas, mas que raramente - ou nunca - se promove alguma pesquisa profunda a respeito dos efeitos nocivos do uso de água não potável, com o objetivo de motivar a comunidade escolar na busca de solução de problemas advindos da carência de recursos mínimos para uma vida digna.

Mas com o intuito de bem encerrar esta breve reflexão, reporto-me ao final da década de 1990, quando então era diretor de uma escola e ouvi de uma professora de educação física que nós deveríamos cortar todas as árvores ao redor da quadra, pois "elas somente serviam para os alunos subirem e perturbarem o andamento da aula." Todos os meus argumentos iniciais, comentando acerca dos animais que nelas buscavam alimento (insetos, pássaros, etc) foram em vão. Apelando para argumentos utilitários, citei a sombra que elas ofereciam para todos os que estavam no pátio; igualmente não a demovi de ligar para uma determinada secretaria do Município e solicitar o corte ela mesma. As árvores não foram cortadas porque precisei determinar, com os demais segmentos da escola, que elas permaneceriam. Mas uso este exemplo porque certamente ele ilustra a forma como o ser humano se aparta da natureza, tornando-a objeto de seu desfrute.

Sem qualquer dúvida é urgente repensar nosso planejamento em nossas escolas, de modo que desconstruamos peças publicitárias enganosas, insidiosas e má-formadoras de futuros pais, mães, proessores, arquitetos, jornalistas, entre outros profissionais, promovendo uma cultura de hegemonia do homem para com a natureza, respeitando-a e nela se enxergando enquanto elemento dependente de todos os processos inerentes aos diferentes ecossistemas.

Um comentário:

Geny disse...

Caro aluno Paulo,
Na tua reflexão do texto da Bióloga Marise e no paralelo do ser humano com a natureza, decorreste sobre o consumismo que vivemos. É muitas vezes lutamos para não ficarmos atrás! Quando me deparo com a injustiça do sistema onde, a minoria tem muito e a maioria só lhe resta às sobras. Como Educadora como humana já fiquei e fico indignada ao ver tantos seres humanos na miséria, jovens sem rumo, crianças sem um lar digno para se desenvolverem. As escolas onde trabalhamos às vezes sem as mínimas condições para se realizar um bom trabalho com nossos alunos. Bem daria para se falar o dia todo e não se esgotariam o assunto.
A sensibilidade da reflexão nos faz muito bem. Sempre que tenho um tempinho do uma passada no teu portfólio, são muito ricas as tuas colocações.
Um grande abraço,
Profª Geny Schwartz da Silva
Tutora: Seminário Integrador IV
PEAD/FACED/UFRGS
02/04/08