sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Imagine - Glee - Mensagem final de 2009



A série Glee, exibida na Fox e Fox HD, tornou-se uma das minhas favoritas desde o início. Quando vi o primeiro capítulo, sabia que acompanharia todos. Pois eis que o diretor preparou uma surpresa para todos aqueles que acompanham a série e que, como eu, se envolvem com as inúmeras tramas paralelas que ocorrem ao longo dos 50 minutos: uma apresentação de Imagine no Glee Club.

Quem acompanha Glee sabe que todos têm significativo e importante espaço. Assim, estão presentes personagens negros, gays, latinos, cadeirantes, entre outros das chamadas minorias. Pois Glee novamente nos convida a tomar o trem da história e dos novos tempos e traz este número, no mínimo, comovente.

Ao longo do 2º semestre tivemos a grata surpresa de conhecer uma pessoa tão maravilhosa como a professora Carolina, a qual nos encantou e motivou a desenvolvermos um novo olhar para com o sujeito surdo. E em um mundo que flagrantemente não é feito para os "diferentes", ver e ouvir Imagine interpretada de maneira tão pouco usual nos faz acreditar que pode e deve ser para todos.

Um Feliz Natal e um 2010 de muitas superações pessoais.

Imagine there's no heaven
Imagine não haver o paraíso
It's easy if you try
É fácil se você tentar
No hell below us
Nem inferno abaixo de nós
Above us only sky
Acima de nós, só o céu
Imagine all the people
Imagine todas as pessoas
Living for today
Viver por hoje
Imagine there's no countries
Imagine não haver nenhum país
It isn't hard to do
Não é difícil imaginar
Nothing to kill or die for
Nenhum motivo para matar ou morrer
And no religion too
E nem religião, também
Imagine all the people
Imagine todas as pessoas
Living life in peace
Vivendo a vida em paz
You may say I'm a dreamer
Você pode dizer que eu sou um sonhador
But I'm not only one
Mas eu não sou o único
I hope some day you'll join us
Espero que um dia você se junte a nós
And the world will be as one
E o mundo viverá (será) como um só
Imagine no possessions
Imagine não haver posses
I wonder if you can
Eu me pergunto se você consegue
No need for greed or hunger
Sem a necessidade de ganância ou fome
A Brotherhood of man
Uma irmandade dos homens
Imagine all the people
Imagine todas as pessoas
Sharing all the world
Partilhando todo o Mundo
You may say I'm a dreamer
Você pode dizer que eu sou um sonhador
But I'm not only one
Mas eu não sou o único
I hope some day you'll join us
Espero que um dia você se junte a nós
And the world will be as one
E o mundo viverá (será) como um só

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

TCC na Pedagogia presencial

Noite de apresentação dos TCCs de alunos da Pedagogia presencial da UFRGS. Os assuntos foram vários, todos interessantes. Contudo, para efeito de postagem, destacarei dois que mais chamaram minha atenção: formação de limites e doenças do magistério.

A aluna que apresentou seu TCC com o tema da formação dos limites na criança da educação infantil destacou duas categorias:

a) A professora 1, lecionando em escola particular, em uma turma de 8 alunos;
b) A professora 2, lecionando em escola pública da rede municipal de POA, em uma turma de 23 alunos.

Ficou evidente as disparidades na condução de um dia de atividades nas duas turmas retratadas no TCC. Enquanto a professora 1 mostrava-se relutante em permitir aos alunos qualquer experiência de organização cooperativa ao longo das atividades, a professora 2 promovia, justamente, um trabalho que envolvia e solicitava o compromisso de todos. Permito-me especular se não seria a postura adotada pela professora 1 resultado de estar ciente que a aluna que a observava desenvolvia um trabalho sobre limites. Convenhamos: não é fácil para alguns professores separar limites de cerceamento da livre expressão dos alunos. Talvez fosse um viés a pensar, mas o objetivo do TCC não era este.

O segundo trabalho trouxe o professor adoecido em um ambiente doente. A aluna nos trouxe mais informações sobre a Síndrome de Burnout, uma doença resultante do estresse do profissional do magistério, entre outros. Esta síndrome é causada por circunstâncias relativas às atividades profissionais, ocasionando sintomas físicos, comportamentais, afetivos e cognitivos. Inicialmente foi observada em trabalhadores da área da saúde que desempenham uma função assistencial, caracterizada por um estado de atenção intenso e prolongado com pessoas em situação de necessidade e dependência. Com o passar do tempo, pôde ser identificada em outras profissões, entre elas a de professor.

O que leva o professor a desenvolver a síndrome de Burnout? Comprovadamente a indisciplina em sala de aula, as cobranças por resultados positivos apesar da postura avessa dos alunos aos estudos, o assédio moral por parte de colegas, alunos, pais, entre outras causas.

Percebo que nada se faz nas nossas escolas quanto aos problemas de saúde do professor. O que vemos é o profissional tratando de sua doença, mas a retornar para o elemento desencadeador da mesma tão logo se sinta relativamente recuperado. Ou seja, trata-se o paciente mas não se ataca o causador, permitindo-se que este ciclo jamais se encerre.

Referências:

Site Universia Online, Docente. Acessível em<
http://www.universia.com.br/docente/materia.jsp?materia=5750>Acessado em 09 de dezembro de 2009.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Aprendizagens significativas, momentos inestimáveis

Aula com utilização de data show e internet. Os alunos aprovam completamente o emprego de tais recursos. Nesta aula, estávamos trabalhando com fontes de energia. Tudo o que conversávamos e líamos acerca do tema, era ilustrado magnificamente com vídeos disponibilizados na web. Sempre que um vídeo ilustrava um novo assunto, era possível ouvir expressões como "agora eu entendi".


Nesta imagem, os alunos vêem a representação através de desenhos do caminho da energia elétrica até nossos lares a partir de uma usina hidroelétrica. Logo em seguida, assistiam os vídeos no telão. Por fim, em duplas, eles próprios ligavam os computadores e acessavam a web em busca de informações que julgassem relevantes para o estudo do tema.


Nesta imagem, os alunos de EJA esclarecem, em grupo, dúvidas que precisam ser sanadas antes de prosseguir a pesquisa sobre o tema "Consumo" - tema transversal em Língua Inglesa.



Um grande momento dos meus alunos do 4º ano: ficaram em 1º lugar no campeonato de futebol da nossa Escola.
São momentos tão significativos que cada aluno está ansioso para receber um cd com todas as fotos, por ocasião da entrega dos pareceres finais deste ano letivo. Certamente eles verão as mais de duas centenas de fotos que foram capturadas ao longo do ano letivo, enquanto desenvolviam diferentes atividades - jogos, artes, dança, teatro, matemática, leitura, hora cívica, momento da limpeza, etc - muitas e muitas vezes, realimentando vários aspectos positivos de fazer parte de um grupo ao longo de três trimestres.

* Avaliação *



A avaliação da aprendizagem de sua turma é ao longo do processo? Ou esta se dá pontualmente, de tempos em tempos? A despeito da resposta para a questão acima, avaliar é sempre uma questão que suscita reflexões necessárias.

Penso que primeiramente devemos pensar em nosso público – o aluno das séries iniciais. A criança, ao entrar na escola, experimenta uma atmosfera na qual o conhecimento passa a ser sistematizado. Até o momento, todo o conhecimento se dava de forma espontânea; agora, ocorre de acordo com um planejamento do qual ela não participara e dentro de regras que ela não construíra. Dado seu estágio, de acordo com Piaget, esta mesma criança estará mais centrada em si mesma do que à escola, ainda que a aceite – por conveniência (por representar um espaço que possibilita formar novos círculos de amigos) ou pela necessidade de desenvolver uma certa autonomia, a qual o seio familiar via de regra acaba usurpando-a de gozar.

Esta é a criança que se vê diante de uma prova, um teste, uma verificação,... não importa o nome que é conferido a um conjunto de atividades em uma folha de papel – definitivamente, para a criança, ela será submetida a um instrumento que separará os aptos dos inaptos.

O que o aluno percebe é que sua aprendizagem será avaliada conforme um escore, o qual mais alto será quanto mais suas respostas se aproximarem de uma norma vigente.

O ideal é que se ampare a avaliação sob uma ótica qualitativa, levando-se em conta a apreensão dos conhecimentos e sua aplicabilidade, reduzindo progressivamente uma eventual lacuna que separe a esfera pedagógica (escola) da esfera social (o cotidiano nas ruas, nas lojas, na família, etc) no que se tange os aspectos cognitivos.

Perrenoud (1999) evidencia que a avaliação é fonte de hierarquias de excelência. Para o autor, estabelecendo-se tal hierarquia decidirá o papel do aluno na sociedade e sua entrada no mercado de trabalho.

Segundo Teresa Esteban, a avaliação deverá desapegar-se da necessidade de julgar a aprendizagem do aluno e passar a "servir como modelo capaz de revelar o que o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento, o que o aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencializado e revelado em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para superação, sempre transitória do saber.”


Referências bilbiográficas:

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 183 p.
ESTEBAN, M. T. Práticas avaliativas e aprendizagens significativas em diferentes áreas do currículo. SILVA, Jansen Felipe; HOFFMAN, Jussara. ESTEBAN, Maria Teresa (Org,). Porto Alegre: Mediação, 2003, p. 33 a 44

domingo, 6 de dezembro de 2009

* Nossa fala é nossa? *



Montessourianos; tradicionais; tecnicistas; libertadores; críticos-sociais; piagetianos; construtivistas,... Onde nos encontramos? Ou onde nos encaixaram? O que alardeamos ser? Quando repetimos palavras deste ou daquele autor que conhecemos minutos atrás... É assim que pensamos todos os educadores? É realmente nestas palavras que acreditamos porque percebemos que são defendidas ou por que são um espelho de nossa praxis? Quando percebemos alguém exultante em função das teorias deste ou daquele estudioso, compartilhamos genuinamente de tal entusiasmo ou não detemos argumentos suficientes para defender uma postura distinta? No que acreditamos afinal: que é preciso ser isso ou aquilo (libertador, tradicional, construtivista,...) ou que, a despeito da bandeira que erguemos, nosso planejamento deverá possibilitar ao aluno tornar-se um sujeito melhor ao final de um ano letivo.

Contexto: cotidiano escolar do século XXI. Definitivamente, o discurso é outro quando comparamos aos primeiros anos de exercício do magistério (desde que tenhamos, no mínimo, uma década e meia de sala de aula). A ótica em relação à escola mudou. A escola brasileira não segue os mesmos princípios nos quais nossa educação fora construída junto ao seio familiar e, obviamente, em nossos tempos de educandos. E o que se ouve nos bastidores, ou seja, nas salas dos professores? Que muitas destas mudanças não são bem-vindas. A bem da verdade, sequer apreciamos certos vocábulos utilizados em situações cotidianas de nossa prática pedagógica quando percebemos a que servem.

Estive em uma confraternização familiar dias atrás, sendo eu o único professor entre cerca de vinte pessoas das mais variadas idades. Depois de conversarem sobre quanto tempo se passou desde a última vez que se encontraram, estas mesmas pessoas brindaram-me, sem qualquer aviso, com seu olhar particular sobre a educação brasileira. Cada pai, mãe, avó ou avó ao redor de uma imensa mesa relatava seus dissabores com a escola dos seus pequenos. Em momento algum qualquer elogio teve espaço. Tudo o que eu ouvia eram falas descontentes com os desmandos dentro das salas de aula, com o nível pífio de aprendizagem dos alunos e o flagrante despreparo deles para situações que a escola confere menor importância em sua práxis, ainda que burocraticamente se registre o contrário: conteúdos.
A respeito destes, Pedro (todos os nomes foram modificados por razões éticas), 52 anos, lembra: “Quando eu estava na escola, a gente tinha que aprender coisas que hoje as crianças não vêem mais. E olho todos os dias o caderno do Flavinho e tem sempre pouca coisa.”

Maria, com 56 anos, fala de avaliação do aprendizado: “Minha filha está preocupada, porque ela nota que a minha neta não sabe muita coisa, nem tabuada. Mas a menina nunca ficou em recuperação nem foi reprovada. Dizem que nem existe mais a recuperação e que agora os alunos passam de um ano para outro sem correr o risco de rodar.”

Um pai mais novo, Leandro, com 36 anos, mostrou-se aturdido com a decisão da escola em que estuda sua filha de 9 anos. A menina foi agredida por duas colegas no intervalo, chegando em casa assustada e não mais desejando retornar no dia seguinte para a escola. O pai procurou a direção para saber das providências que seriam tomadas em relação as outras duas meninas. O que ele ouviu o deixou furioso: “Nós já fizemos um acordo com as duas meninas e elas se comprometeram a não mais agir deste modo.” Leandro, enquanto narrava a história, estava realmente estupefato, destacando palavras ao final: “Fizemos um acordo? Se comprometeram? Agir deste modo? Minha filha chegou em casa com hematomas e a direção faz um acordo?” Ele relatou que não só vai entrar com um processo contra a escola quanto em relação aos pais das outras duas meninas, e que sua filha não mais estudará naquela escola. E encerrou dizendo que em seu tempo, “eles davam uma suspensão para quem fazia uma coisa dessas e até expulsavam quando era grave. Agora fazem um... que é isso... acordo? Até parece que estão decidindo quem faz o que em uma peça de teatro.”

É muito interessante quando deixamos nosso universo profissional cotidiano – a escola – e ouvimos daqueles que têm expectativas quanto a construção do conhecimento de seus filhos e suas reais chances de empregabilidade presente e futura o que compartilhei acima. Percebe-se nas falas transcritas preocupações que são genuínas, de pessoas bem informadas e que se encontram, com razão, inconformadas.

Por que seus filhos não conseguem sequer lhes dizer qual o resultado de 9 x 8? Por que lêem de forma tão mal articulada um texto? Por que sequer sabem determinar o assunto do texto que acabaram de ler ou, muito menos provável, interpretá-lo? Como pode uma unanimidade em qualquer sala de aula do ensino fundamental não ter noções dos clássicos da literatura universal?

São questionamentos que certamente não caberiam em um simples parágrafo. Como professor de séries iniciais desde 1988 já presenciei muitas mudanças no rumo da educação brasileira. Infelizmente, uma mudança bem-vinda jamais ocorrera neste mesmo período: seguimos amargando as piores posições no ranking da Educação da Unesco e não há indícios de que alguma alteração positiva e significativa ocorra. França, Alemanha, Japão, Estados Unidos e Reino Unido são as cinco nações que mais investem em educação. No Japão, país que me ofereceu a oportunidade de estudar seu sistema de ensino por cerca de dois anos letivos completos, as escolas exigem silêncio dos alunos no curso das aulas (exceto quando a participação é construtiva), o plano de curso é generoso em conteúdos, habilidades e competências, a avaliação é severa e os alunos têm deveres que julgamos inadequados – julgamos mesmo ou nos fazem crer que acreditamos ser parte de tal julgamento?

Sem hipocrisia alguma, que alunos a escola pública brasileira está formando: aqueles cujas chances de deixarem os postos mais baixos são reais? Ou serão eles futuros e eternos subalternos daqueles de quem se exigiu horas de estudo e aplicação diários. Afinal, quando fazemos acordos em lugar de estabelecer regras claras a ser cumpridas, quando permitimos punição a uma professora que repreendera um aluno que picha uma parede em escola de Viamão, que cidadão estamos deixando para nosso mundo?

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

* Arquiteturas Pedagógicas *

A convergência de diversas mídias em uma sala de aula encanta alunos e professores, desde que bem utilizada. Com relação à utilização de computadores, data show, dvd, entre outros recursos, na semana que passou tive uma experiência que está fadada a ser marcante em minha caminhada no magistério.
O assunto da aula era "fontes de energia", algo que pode ser bastante abstrato para um aluno do 4º ano. Portanto, decidi que aquela seria uma aula significativa e inesquecível para os alunos, sem saber que o seria igualmente para mim.
O ambiente: sala de informática da Escola.
Situação: no dia anterior a esta aula, constatei que não havia acesso à internet, exceto em um computador. Como se fosse ruim o suficiente, pude perceber que as máquinas estavam, praticamente todas, com algum problema que acabaria comprometendo o trabalho.
Solução: salvar as páginas que seriam visitadas em uma mídia removível, caso o único computador com internet sofresse uma pane, levando o meu próprio notebook. Resrvar o equipamento de data show, a fim de projetar no telão as imagens a que os alunos teriam acesso nos computadores individuais, caso funcionassem.
Material para a aula:
a) Folhas A4 com desenhos para colorir das fontes de energia que iríamos estudar: eólica, solar, hidrelétrica, vapor, nuclear, entre outras.
b) Equipamento de data show, telão, computador com acesso a web.
c) Caixa de som para que todos ouvissem com clareza a locução dos vídeos.
d) Material de pintura.
Assim, aquela turminha de 4º ano foi encaminhada para a sala refrigerada dos computadores. Como fazia 32ºC naquela tarde, apenas ir para um ambiente climatizado já deixou-os com pré-disposição para o trabalho.
Olhando para os desenhos na folha A4, alguns alunos tinham vez e voz para dizer do que se tratava, pois alguns arriscavam hipóteses, outros já tinham algum conhecimento a respeito. O que eles não esperavam era assistir a vários pequenos vídeos, todos feitos para o público infantil, sobre cada uma das fontes de energia. A reação foi além das expectativas. Ao final de cada vídeo, falas como "agora eu entendi como funciona" eram deliciosas palavras aos ouvidos do professor.
Que educador não deseja que seus alunos sintam-se encantados por sua proposta de trabalho e que realmente demonstrem compreensão do tema estudado?
Como se já não estivesse bom o suficiente, eis que um aluno sugere que fizéssemos cataventos. "Faz muito tempo que eu não brinco de catavento", disse-nos ele. A ideia contagiou a todos. Imediatamente, solicitei que algum colega nos mostrasse como fazer um cata-vento; ninguém sabia. Arrisquei uma alternativa: "o que vocês acham de procurarmos na internet um vídeo que explique como se faz um catavento?" E mais uma vez a excitação tomou conta daquelas crianças.
Foi uma aula bastante simplória, sem qualquer momento que merecesse uma linha neste blog, talvez. Contudo, foi tão significativa para eles e para mim que eu não poderia deixar de compartilhar com quem me visita virtualmente aquele momento.

domingo, 22 de novembro de 2009

* Alfabetismo e letramento *



Os termos letramento e alfabetismo eram desconhecidos para mim até iniciar o PEAD. No que diz respeito ao primeiro, pude entendê-lo melhor ao perceber sua relação com literacy, do inglês, palavra que eu já apreendera o significado anteriormente. E o conhecimento dos léxicos, muito mais do que uma aparente coleção de palavras, nos permite conferir às próprias experiências significados novos e/ou mais profundos. Por exemplo, se assumirmos trabalhar apenas com a dualidade entre alfabetizado e analfabeto, descartaremos não só o alfabetismo como o letramento. E seguiremos transitando somente entre dois pólos: o que nos indica que alguém sabe unir códigos lingüísticos e os utiliza para eventuais leituras e redação de pequenos textos, assim como o segundo pólo, uma antítese do seu oposto.

Pessoalmente, a apreensão do conceito de alfabetismo e de letramento iniciara com uma postura pessoal de fazer relações com palavras já conhecidas e incorporadas ao uso cotidiano. Com a primeira eu não obtive sucesso algum, pois apenas “analfabetismo” vinha ao pensamento. Letramento foi um caminho mais suave e rápido, pois bastaria empreender um par de analogias, além da tradução do termo citado em inglês:

a) Letrado: diz-se do sujeito erudito, versado em letras.
b) Iletrado: faz referência ao sujeito que não detém conhecimentos do universo da cultura formal.

Assim, foi possível intuir que o indivíduo alfabetizado é aquele que adquiriu as ferramentas para a leitura e a escrita, enquanto que o letrado (no sentido de literacy, que não é o mesmo expresso na alternativa A, logo acima) é aquele que utiliza tais ferramentas de forma competente, inventiva, a experimentar analogias, adentrando nas práticas sociais do uso da língua. Posto que apropriar-se da escrita não e o mesmo que aprender a escrever, os sujeitos letrados e alfabetizados não utilizarão a língua da mesma forma.

O sujeito analfabeto, ao perceber-se alfabetizado experimenta uma outra condição em seu cotidiano, posto que se altera seu status social. Entretanto, será o sujeito letrado aquele que experimentará mudanças bem mais significativas, dado que não apenas seu status social se vê modificado, mas igualmente sua apreensão lingüística, cognitiva e cultural.

O alfabetismo, por sua vez, começa a surgir ainda na segunda guerra, relacionado aos soldados que detinham condições de ler e entender as “instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares”.(Castells, Luke & MacLennan, 1986) Assim,o alfabetismo passou a ser muitas vezes colocado em justaposição ao termo letramento, pois entendia-se que o primeiro ilustraria situações pragmáticas do dia-a-dia, enquanto o letramento voltava-se para experiência de erudição com a utilização da língua.

Letramento está mais próximo de “competência”. Sendo assim, temos o sujeito que vivencia o letramento digital, quando não depende de terceiros para que possa fazer diferentes operações em um terminal eletrônico de sua agência bancária. “Letramento é sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é e de tudo que pode (vir a) ser.” (Kate M. Chong, 1996 – O que é letramento.)



REFERÊNCIAS:

CASTELL, S; LUKE, A. & MACLENNAN. "On defining literacy". In: CASTELL, S. LUKE, A. & EGAN, K. (eds.). Literacy, Society and Schooling: A reader. Cambridge, Cambridge University Press, 1986.

SOARES, Magda. LETRAMENTO um tema em três gêneros. 2. ed. 8. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

* Perplexidade *




Acredito que a palavra perplexidade defina o sentimento do meu grupo de EJA a medida em refletíamos sobre a prática na escola observada. Ainda que não apareçam em nosso pôster os três itens destacados abaixo, nossa observação se deu em uma atmosfera de animosidades e um certo desgoverno. Ainda que tenhamos presenciado momentos louváveis, marca igualmente perceber que alunos, professores e funcionários convivem com:

1. Períodos seguidos de aulas sem qualquer intervalo, este suspenso em função do tráfico de drogas no interior da Escola.

2. Significativa evasão justificada pela suspensão do recreio, como se esta fosse uma justificativa plausível.

3. Mais de uma dezena de câmeras de segurança espalhadas em corredores e nas salas com equipamentos caros, além do refeitório.

Procedemos com a observação in loco, entrevistas aos professores, alunos e equipe administrativo-pedagógica, coleta de dados, tabulação e criação de gráficos. Os dados coletados nos mostram que os educadores da Escola observada têm uma formação acadêmica diversificada, sendo que dos 20 professores atuantes em sala de aula, oito têm graduação e seis têm pós-graduação. Os demais - quatro professores - têm estudos adicionais e dois têm magistério. Uma expressiva maioria do corpo docente é formada por profissionais com tempo considerável de experiência no magistério: mais de 12 anos, mas com boa parte ultrapassando as duas décadas em sala de docência.

No que concerne o planejamento das aulas, pode-se verificar a utilização de recursos disponibilizados na web (basicamente sugestões de atividades), assim como a criação de tarefas a partir da própria experiência do educador.

No quesito avaliação, as provas escritas sobressaem-se como instrumento para tal.

A metodologia empregada privilegia os projetos de ensino (mensais), coma adesão de 100% dos professores, assim como a aula expositiva dialogada é o norte para 60% dos profissionais. O Projeto de Aprendizagem é adotado por apenas um dos vinte educadores. O mesmo projeto foi visto com desconfiança pelos demais, posto que "dá a impressão de que os alunos não irão estudar”.Certamente, estamos diante de um desafio quase intransponível neste momento: quebrar o paradigma de colocar nas mãos do professor, e somente sob sua tutela, a responsabilidade de determinar o que os alunos desejam construir enquanto aprendizagem.

Os recursos utilizados são vários, o que nos mostra que a Escola investiu em equipamentos: computadores com Internet, data show, entre outros. Entretanto, há um flagrante predomínio do uso do aparelho de dvd (80%) e de folhas xérox (100%) como recursos utilizados pelos professores em sua práxis.

Ficam as questões a espera de respostas: como uma escola que empreendeu altos investimentos em tecnologia e que conta com professores, na imensa maioria, com ótima formação acadêmica, ainda realiza um trabalho centrado no conteúdo? Como uma escola de tal quilate não assume que uma das ações sensatas em relação à drogadição seria levar em conta os saberes dos alunos em seu planejamento, encantando-os para a construção do conhecimento cooperativa?

Giroux assinala que estamos diante de uma urgente necessidade de pensar e "desenvolver práticas pedagógicas (...) que reúnam os professores, pais e alunos em torno de visões da comunidade que sejam mais emancipadoras.” Penso ser inaceitável que se continue planejando sem pensar em estratégias e temas que tenham por norte a identidade de todos os atores do processo de ensino-aprendizagem. Para Cury, "mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho.”


REFERÊNCIAS:

GIROUX, Henry. Alfabetização e a pedagogia do empowerment político. In: FREIRE, Paulo e MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura da palavra, leitura do mundo. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 1-27.

Parecer CEB no 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos . Relator: Carlos Roberto Jamil Cury

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Dia Da Consciência Negra

O que é consciência? E estar consciente?
O que significa "consciência negra"?
Qual a relação do dia 20 de novembro com a história de todos nós?
O que trabalhar quando se fala em consciência negra?

Este Power Point é um recurso que criei para trabalhar com meus alunos do 4º ano. Os demais colegas da Escola também o adotaram. Estou disponibilizando-o através do meu portfólio para todos os que desejarem utilizá-lo em suas escolas ou, de outra forma, usá-lo como subsídio para seu planejamento.

Bom trabalho a todos.

Paulo

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

* Magdalena, Costa, Freire e o P.A. *




Durante anos fui avesso ao trabalho em grupo. Bastava algum professor, nos idos do meu ensino fundamental ou ainda do ensino médio, insinuar um trabalho que não fosse individual para que eu me esquivasse. Ficava, em segredo, torcendo para não ser escolhido por grupo algum e, quem sabe a sorte sorrisse, tivesse concedido o desejo de empreender qualquer movimento de investigação de forma totalmente solitária.

O trabalho em grupo exige que cada integrante trabalhe não apenas a partir do que já apreendeu, mas preferencialmente sob a égide da humildade, da paciência e da aceitação do outro em um espaço físico que será sempre demasiado próximo para o aluno avesso à técnica do trabalho em equipe.

Ainda que presuma ser possível fazer um bom trabalho apenas sozinho e que estaria mais apropriado de um determinado tema de pesquisa que seus pares, um bom grupo de estudos provavelmente proporcionará a este mesmo aluno oportunidade de repensar seus paradigmas a respeito do trabalho colaborativo. Neste modelo de trabalho, faz-se indispensável a constante comunicação e interação entre os membros de um grupo por meio de "trocas, socialização de resultados, mesmo que ainda parciais, em busca de feedback de colegas e/ou professores, transformando o PA em um trabalho em rede." (MAGDALENA e COSTA, 2003).

Nossa postura passará, paulatinamente, a ser mais de aprendiz. Aquele que desenvolve um trabalho sozinho faz as vezes de um autodidata. O que desenvolve o trabalho com seus pares faz valer a afirmação de Freire – os homens educam entre si – quando nos lembra que somos mediatizados pelo nosso entorno e, no contexto desta postagem, o viés de nossa reflexão é o PA que nos aproxima e enriquece.

Os diferentes pontos de vista são provocadores na medida em que nos desacomodam, nos tiram da zona de conforto de nossos pensamentos já forjados e assentados em nossos cotidianos. O novo é o que o outro nos traz, geralmente não sem conflitos, mas via de regra gerador de aprendizagem. E toda esta magnífica proposta de construção de conhecimento cá está não para ser pensada enquanto uma técnica, mas o próprio fio condutor de nossa práxis ao longo do ano letivo, seja o nosso aluno a criança da Educação Infantil, os alunos das séries iniciais e das demais séries do ensino fundamental ou o educando de EJA.

O Projeto de Aprendizagens é para todos, sem distinção. No caso das crianças, o público-alvo em número mais expressivo entre os alunos do PEAD, Magdalena e Costa são assertivas: "A experiência pode não ser profunda ou suficientemente extensa, a potencialidade dos seus pensamentos pode ser insuficiente para formular o que nós chamamos de uma teoria científica, mas o processo pelo qual as crianças observam o entorno, formulam perguntas, buscam respostas e desenvolvem seus entendimentos e explicações para o que observam é muito semelhante ao processo de investigação científica." (MAGDALENA e COSTA, 2003).


Referências:

Pedagogia do Oprimido. 9 ed., Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1981, p.79


COSTA, Iris Elisabeth Tempel, MAGDALENA, Beatriz Corso. Revisitando os Projetos de Aprendizagem, em tempos de web 2.0. Faculdade de Educação/PEAD - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

* Corrigindo produções textuais sem hipocrisia *



Costumo manter cautela diante de comentários que dão conta do que agora “não se faz mais” em sala de aula ou do que “não se diz” ao pensar educação. Sou particularmente avesso ao tido como politicamente correto na educação pois, via de regra, está mais a serviço do mascaramento de uma questão que não se resolveu ou de algo com o qual não sabemos lidar do que em favor do processo de ensino-aprendizagem. E neste “não se diz assim” e “não se escreve mais deste modo” segue o faz de conta, no qual tudo parece melhor em razão do emprego de um vocabulário cunhado para emprestar uma aura de novidade ao insolvente ou surrado.

Dentre tantos, não “macular” a folha de redação do aluno passou a ser uma bandeira ferozmente erguida pelos “modernos”. Corrigir a produção textual do aluno, a seus olhos, seria mais condenável do que toda a barbárie cometida neste País no que se refere ao desvio de verba da educação para fins particulares e, sem evitar a ironia, prática de todos os governos longe de serem “politicamente corretos.” Pois não aceitei este novo ditame (nem tão recente) e sigo recolhendo os textos produzidos para a devida correção. Mas chamo a atenção de meu leitor no portfólio para a “devida correção" dos textos, não qualquer correção. Assim, depreende-se que existam formas de corrigir um texto que representarão um ganho para o aluno e incremento de valor ao seu processo de construção do conhecimento de sua língua.

Tão logo o aluno conclua sua produção, em uma folha que costumo chamar de “rascunho” - que moderno, não? - ele a traz até minha mesa e, permanecendo a meu lado, ouve-me a ler cuidadosamente o que escrevera. Não “tento entender” o que está escrito no que se refere à caligrafia; se a letra mal traçada dificultar a leitura ou mesmo impossibilitá-la, ao ouvir-me titubear ou parar de ler, o próprio autor faz menção de corrigir o que está mal escrito. Simultaneamente, vou sinalizando com um traço ou círculo palavras que não seguem a norma correta – troca de letras, esquecimento de acentos, etc – e, por fim, abre-se informalmente um espaço para que o aluno pergunte, afinal, a razão dos círculos e/ou traços. Como regra, escolho uma ou duas palavras e indico qual foi o equívoco cometido. As demais, oriento, ele próprio precisará proceder com a correção, de forma individual ou em duplas. Neste momento, o trabalho com o dicionário torna-se significativo para a criança e uma ferramenta inquestionável de aprimoramento linguístico. Contudo, problemas estruturais ou de concordância beneficiam-se bem mais da discussão em grupo; a formulação de hipóteses pode ser extremamente proveitosa quando realizada com um colega do que exclusivamente de forma individual.

Tendo concluído esta etapa do trabalho, o aluno retorna com seu texto, geralmente no verso da folha ou no espaço livre que porventura exista abaixo do texto original. Procedo com a leitura junto a meu aluno e, ao final, pergunto-lhe se notou alguma mudança. Se o professor leu sem dificuldades, conclui-se que a caligrafia está mais apurada e que a estrutura do texto ganhou em qualidade. Entretanto, ainda nesta etapa erros podem perdurar ou novos podem surgir; eles novamente serão sinalizados. De qualquer modo, para evitar que o trabalho se estenda sobremaneira e pareça infrutífero ao aluno, evito sinalizar com infindáveis idas e vindas até que o texto não contenha erros, posto que tal depuração não é meu objetivo. A bem da verdade, toda a mudança que o aluno empreender na segunda versão do seu texto e, finalmente, na terceira e última, em uma folha nova, é semente para melhores produções textuais. Acredito que esta forma de trabalho de correção e aprimoramento de textos trabalhe, sem hipocrisia, com o erro construtivo, pois não mascara o equívoco; pelo contrário, evidencia-o para que possa ser reparado pelo mesmo escritor que o cometera.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

* Todos podem aprender? *



Na postagem do dia 23 de outubro – Possibilidades! – comentava acerca das experiências acumuladas ao longo destes 21 anos de prática docente, assim como das “respostas” que nos eram apresentadas para, supostamente, todas as ansiedades em sala de aula, as quais resolveriam os impasses até então insolúveis. Obviamente, tais “soluções” revelavam-se mais uma bravata pedagógica de quem a alardeava do que uma opção "definitiva". Mas o que era ponto pacífico décadas atrás, passou a ser questionado: a questão da inteligência e da capacidade que todo indivíduo teria de aprender. Teria mesmo?

Para Piaget, o que chamamos de inteligência é, mais profundamente, “aquilo que possibilita aos seres vivos continuarem assim no contexto de suas transformações.” Particularmente, acho magnífica definição – não a única, tenha-se em mente – de inteligência, visto que nos remete à maleabilidade dos seres vivos. Se nossa ótica compactuar com Piaget, então a inteligência não é exclusiva dos seres humanos, o que ampliaria consideravelmente os estudos sobre a mesma. Para melhor entendermos a abrangência da definição aqui dada para inteligência, consideremos um diamante. A eternidade é própria dos minerais, posto que os elementos que os permitem ser o que são neles já estão presentes. Os seres vivos, contudo, necessitam buscar fora de si elementos indispensáveis para a garantia de sua existência, ainda que efêmera. Os vegetais, por exemplo, não sobrevivem sem a água, o solo, o ar e os animais, estes últimos para efeitos de polinização. E quanto ao ser humano? Quais as perspectivas de sobrevivência sem a presença daquela que o gerou ou de um semelhante? Casos de crianças que não pereceram ao abandono, tendo sido criadas por lobos, já foram relatados. Mas minha provocação nesta postagem não é a exceção aparentemente fictícia, porém real, da capacidade de superação dos elementos vivos. Penso, isso sim, nas implicações de ordem fisiológica, emocional, psicológica e cognitiva das interações entre os semelhantes.

Maturana e Varela, no já clássico A Árvore do Conhecimento, remetem-nos a uma reflexão sobre como se dá o conhecimento humano, principalmente ao nos fazer ponderar que o representacionismo seria um engodo aos olhos da pedagogia. Para Maturana e Varela, “vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos e, portanto, compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos durante as nossas vidas. Por sua vez, ele também nos constrói ao longo dessa viagem comum.” A teoria representacionista, por sua vez, postula que somos separados da natureza e que o mundo segue como se apresenta apesar de nossa experiência. Para os dois biólogos chilenos, nosso desenvolvimento fisiológico, emocional, psicológico e cognitivo está intrinsecamente ligado as relações interpessoais, pois nossa trajetória nos faz construir nosso próprio conhecimento.

A bem de ilustrar tal afirmação, faço uso da relação que Maturana e Valera estabeleceram entre o homem e a praia. Ao final de uma caminhada ao longo da praia, o homem não é mais o mesmo que iniciara aquele trajeto: suas emoções se modificam, seus pensamentos são influenciados pelo entorno e todos os seus sentidos são atingidos por estímulos que são parte daquele ambiente. Por sua vez, igualmente interferimos na paisagem, ou seja, a “praia também nos percebe”, dado que vamos deixando nossas pegadas registradas na areia.

Pois este bela e profunda obra de Maturana e Varela fizeram-me voltar o olhar às certezas de outrora, aceitas e referendadas por alguns estudiosos de então: de que certos indivíduos teriam menos condições de aprender do que outros. Atualmente, percebo que estes mesmos indivíduos não aprendem nas condições que lhes são oferecidas, isto é, a ausência de requisitos não estaria na pessoa, mas na proposta de ensino-aprendizagem. Pensar aprendizagem por esta ótica é subverter a lógica representacionista, é questionar o cartesianismo e o realismo científico. O que se faz necessário, portanto, é uma ampliação dos critérios que regem a própria avaliação da aprendizagem, pensando não somente nos resultados a que o aluno chegou, mas igualmente no que lhe fora oferecido para tanto. Isso nos faz pensar em Kant, o qual afirmava que o conhecimento inicia na e pela experiência, mas não se limita a ela. Faz-nos pensar igualmente em nossos Projetos de Aprendizagens, movidos tanto pelo desejo de apreender quanto por um indispensável exercício de humildade, posto que nossas certezas viam-se abaladas a cada nova incursão pelo tema escolhido. E é de Maturana e Varela que tomo emprestadas as palavras para encerrar esta postagem, convidando a quem visita este blog a pensar: “Conhecer é um convite a suspender nossos hábitos de cair na tentação da certeza.”

E, respondendo ao questionamento inicial, afirmo sem qualquer dúvida: todos podem participar de forma ativa do processo de ensino-aprendizagem. Que lhes sejam dadas as condições necessárias para tanto e que as relações entre os atores do processo estejam pautadas na alegria da descoberta e no encantamento por aprender.

Referências:

PIAGET, JEAN (1936). O nascimento da inteligência na criança. Tradução de Álvaro

Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.

MATURANA, Humberto R., VARELA, Francisco J. Preface. The tree of knowledge: the biological roots of human understanding. Boston e Londres: Shambhala, 1998, págs. 11-13.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Editora Ícone

domingo, 25 de outubro de 2009

*Possibilidades!*

Desde 1988 como professor de séries iniciais, muitas são as experiências colecionadas ao longo destas duas décadas. Presenciei a negação de práticas que foram-me ensinadas, a chegada de alternativas interessantes e, infelizmente, modismos pedagógicos que assumiram uma aura de resposta para todas as ansiedades.

A despeito das mudanças responsáveis ou dos dispensáveis oportunistas com suas metodologias a tiracolo, o trabalho coletivo entre o professor, seus alunos, a família e a escola permanecerá como desejável em quaisquer circunstâncias e sob toda a forma de orientação vigente. Entre quatro paredes, uma porta e várias janelas, a parceria que se pode estabelecer entre aquelas crianças e um adulto, entretanto, é compreensivelmente indispensável.

Ainda que não desejemos, pode o professor desenvolver seu trabalho sem uma presença efetiva da família da criança no processo ensino-aprendizagem. Do mesmo modo, também indesejável, uma equipe pedagógica alheia tanto do que lhe diz respeito enquanto especialistas quanto aos projetos do educador "lá" nos espaços de aprendizagem, não comprometerá inexoravelmente o resultado das propostas do mestre para com seus alunos. Tamanha cegueira não obstrui a torrente de conhecimento da qual se tornam responsáveis o mestre e seus discípulos em uma atmosfera de construção conjunta.

O vídeo "Possibilidades!" desenha um ambiente no qual a intenção do professor nasce das demandas pedagógicas e da expectativa dos seus alunos. Muito além de "saber fazer", isto é, ter em mente como se desenvolve um determinado conteúdo, pensar sobre tais demandas e expectativas e decidir como trazê-las para a sala de aula de forma que sejam esteio significativo para o cotidiano dos alunos, este é SIM o grande desafio diário de um educador.

As imagens que ilustram esta postagem procuram evidenciar um movimento que o vídeo igualmente evidencia: as trocas entre as partes e o tom que sublinha o relacionamento do professor com seus alunos. Trocas sempre ocorrerão, a todo instante, mas poderão representar apenas cobranças aos olhos dos pequenos, do mesmo modo que um professor desmotivado poderá optar pelo fácil caminho da mediocridade planejada. Assim, é o "tom" o tempero que diferencia o sabor das quatro horas diárias na escola.

No vídeo, a professora Cristini mostrou-se atenta à curiosidade dos alunos em relação a seu modo de falar, o qual remetia a um sotaque próprio de alguns descendentes de imigrantes alemães. Segundo a mesma professora, na mesma semana o tema escolhido para um projeto teve origem nessa peculiar percepção dos alunos quanto ao sotaque da educadora. Subvertendo a linearidade das listas de conteúdos, Cristini propôs, iniciou e desenvolveu em parceria com seus alunos acerca da formação da população brasileira, trabalhando as diversas culturas surgidas na turma. Neste exemplo, a educadora respeitou "a estrutura lógica e sequencial dos alunos" no que tange a escolha dos conteúdos a desenvolver.

Ainda que pareça desnecessário lembrar, o diálogo é essencial, tanto entre professor e alunos como entre um aluno e seus pares. Hipóteses, testagens e conclusões são muito mais produtivas em uma comunhão de todos os atores nos espaços de aprendizagem.

domingo, 18 de outubro de 2009

* Preconceito *


O tema preconceito é matéria delicada. Está presente em nosso dia-a-dia e, via de regra, rege nossas escolhas. Assumir-se preconceituoso não é das tarefas a mais fácil; tão difícil quanto convencer a mim, a você e ao vizinho que todos temos os nossos.

Professores estão, invariavelmente, envolvidos em toda a sorte de situações nas quais o preconceito se faz algoz, torturando uns e satisfazendo outros a nossa volta. Desavenças são esteio singular para que bravatas preconceituosas sejam lançadas; desavenças são ingrediente quase corriqueiro nas escolas. A plenos pulmões, duas crianças, dois jovens ou dois adultos – dependendo do público com o qual se trabalhe – jogam na face um do outro os impropérios de sempre, cada dia mais aterradores aos ouvidos decentes e a qualquer resquício de boa convivência que procuremos manter nos espaços pedagógicos. Para cada gênero, um cabedal de adjetivos pejorativos. Se mulher, se homem, todos receberão o selo classificatório e constrangedor que o outro lançar. Os sujeitos envolvidos no conflito seguirão a angariar “máculas” a partir da cor, da compleição, da situação sócio-econômica, da orientação sexual, entre tantos atributos que possam ser utilizados para despir o outro de valor.

O preconceito sempre é fruto da ignorância e da maldade combinados. Posto que se trata de uma generalização, um estereótipo, será igualmente superficial. O preconceito é igualmente fruto de uma crença, jamais do conhecimento, o que o torna desastroso enquanto tentativa de argumentação, justificativa ou simples desabafo.

Pode resultar em silêncio, em lágrimas, em baixa auto-estima, em desejo de vingança, em suicídio, etc – a vítima do preconceito nunca resultará a mesma após cada episódio sórdido que o sadismo humano é capaz de idealizar com fins de humilhação coletiva.

Para Allporto (1954) o preconceito advém das frustrações, as quais, em determinadas circunstâncias, transformam-se em raiva e hostilidade. Por sua vez, Adorno (1950) afirma que a fonte do preconceito reside no intolerante, na pessoa hostil com aqueles que não parecem seguir as convenções sociais. Einstein afirmava que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.

Em uma pesquisa sobre "Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar", encomendada à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC, os dados acerca do preconceito não deixam dúvidas:

Público: 18,5 mil entrevistados (alunos, pais, diretores, professores e funcionários) em 501 escolas públicas de todo o país. De acordo com a pesquisa, 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. A mesma pesquisa aponta ainda que mais de 80% dos entrevistados gostariam de manter algum nível de distanciamento social de homossexuais, pobres e negros. A pesquisa foi amplamente divulgada em junho de 2009 nos principais meios de comunicação brasileiros.

Fica a provocação: que espaço tem em seu local de trabalho o debate sobre o preconceito em todas as suas manifestações, as formas de combatê-lo e as punições cabíveis para aqueles que o adotarem como práticas deliberadas de desvalorização sistemática do ser humano?

domingo, 11 de outubro de 2009

E Seu Nome é Jonas - A Inclusão


O filme E Seu Nome é Jonas - EUA, 1979 - trouxe um entendimento mais amplo no que diz respeito ao sujeito surdo. A obra opta pela bofetada na cara da platéia desde os primeiros momentos, quando descobrimos que médicos o internam em um hospital psiquiátrico, confundindo a falta de comunicação com severa implicações psicológicas e cognitivas.

O insólito diagnóstico e o flagrante descaso são seguidos de uma alta completamente desassistida, posto que a família deixa o hospital sem qualquer encaminhamento para o filho.

Como no mundo real, são os solitários pais que, de posse do diagnóstico de surdez - sem laudo - buscam encaminhá-lo para uma instituição que o ensinasse a vocalizar, pois INTUEM ser a melhor decisão. Onde estão os assistentes sociais? Onde está o poder público? Quem nos surrupiou a informação?

O fracasso de Jonas na escola seria apenas uma questão de tempo. As relações interpessoais, por vezes toscas, faz crer que a responsabilidade deste fracasso esteve em tempo integral sob a responsabilidade dos adultos. Jonas, ao comunicar aos demais seus sentimentos, percebia não estabelecer qualquer diálogo, posto que as partes não acordavam quanto ao código de linguagem a utilizar. Entretanto, uma exceção deve ser feita no processo de inserção (ou exclusão) social de Jonas: o avô materno, um pedagogo nato no vasto universo de incompreensão e silenciamento no qual fora Jonas via-se inserido gradativamente. De "louco" à "invisível", esta parecia ser a sina de Jonas. Por meio de uma exclusão sistemática e insensível, a escola e a sociedade expuseram-no a um impasse: ou se utiliza dos códigos fonéticos dos ouvintes ou não será compreendido, aceito e amado.

Quase ao final do filme, um aparente paradoxo: quando Jonas é encaminhado para uma escola de surdos, a qual utiliza Libras, ele visivelmente percebe-se incluído pela primeira vez. Para sentir-se parte do todo, Jonas deste precisou afastar-se. Conjeturei acerca de uma possível fissura na presente inclusão escolar; justamente em uma escola exclusiva para surdos seria o protagonista incluído? Certamente foi o que ocorreu, o que não significa estarmos diante de uma falácia quando se fala em inclusão.

No que concerne o indivíduo, a sociedade e os conflitos que advém de tal relação, inclusão e exclusão são lados de uma mesma moeda: o cotidiano. Mas qual a motivação para que ocorra a exclusão? Exclui-se o diferente para que não se perca tempo a compreendê-lo. Exclui-se o diferente porque ele nos faz refletir acerca de nossa real essência, ou seja, a incompletude e a singularidade de todo o ser humano. Exclui-se porque incluir exige reestruturação, exige adequação DE TODOS e desacomoda, "rouba o meu queijo" de todo o dia. E como poucos fazem o trabalho que seria de todos, estes poucos o fazem sem as ferramentas necessárias, a formação desejável e o apoio indispensável para que a inclusão se efetive. Como não ocorre, a inclusão ganha contornos de uma postura oportunista e de viés econômico por parte do poder público, chegando às escolas já rançosa e praticamente fadada ao repúdio de grande parte dos professores.

No filme E Seu Nome é Jonas a inclusão social se dá apenas no terreno da aspiração de uma mãe zelosa ou nos ombros de um avô que ama o neto incondicionalmente. O filme é o retrato da exclusão, da crueldade e do abandono pois, em certo sentido, praticamente todos estão sozinhos neste filme: Jonas, a mãe, o irmão mais novo, o pai, etc.

Ainda que a obra tenha sido rodada em 1979, não percebo cotidiano menos perverso para com os surdos. No que tange à exclusão, esta não machuca mais ou menos de acordo com a classe social, posto que dilacera o ser humano; a exclusão segue indiferente às necessidade de cada um. Ainda que o indivíduo surdo tenha conquistado uma, ainda pequena, visibilidade e que à sociedade civil conclame-se reverter e reparar esta culturalmente aceita postura excludente, o roteiro trazido para as telas faz 30 anos e permanece um retrato das relações em pleno século XXI.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

* Metáforas *


Em sala de aula, talvez mais do que em qualquer outro contexto, os diversos pontos de vista podem gerar apenas conflitos – pois conflitos sempre serão gerados – ou serem utilizados como esteio para um excelente e enriquecedor debate, funcionar como uma saudável explosão de ideias.

À metáfora “cruzar o rio”, sempre lembrada pela professora Luciane, faço uma ponte com o Rubicão, que é uma verdadeira linha divisória da história de Roma. Cruzar o Rubicão, cruzar o rio, é o abandono das coisas do modo como estão dadas. Cruzar o rio é romper com as relações verticalizadas na escola, é desconstruir as relações cotidianas – aceitas – de poder na sala de aula, nos corredores, entre professores e destes para com os alunos, entre pais e professores, etc. Na medida em que cruzamos o Rubicão romano inevitavelmente estaremos a vislumbrar não exatamente outros indivíduos e diferentes cenários. A bem da verdade, a nossa volta estarão as mesmas pessoas e, dentro ou fora da metáfora, estarão estas praticamente no mesmo lugar. O que se torna diferente é o approach com nosso entorno, nosso ponto de vista que se modifica e o quanto permitimos ao outro fazer parte de palco que exclusivamente a nós, professores, pertencia. Cruzar o rio é compreender que não apenas existem outras pessoas, mas que com elas interagimos, paulatinamente deixamos de carregar para a sala de aula a única alternativa aceita do discurso. Tanto nos inteiramos da coexistência do outro em nosso cotidiano que pontos de vista diferentes e até conflitantes tornam-se provocadores de reflexão, não mais de repúdio.

Piaget afirma que a afetividade é o primeiro passo para que cruzemos o rio. Penso que só empregamos movimento na direção do outro quando nos descobrimos pares e não partes em um processo de ensino-aprendizagem. Se o professor experimentar lançar-se nas águas e, com seus alunos, aventurar-se cotidianamente, perceberá estar compartilhando com seus alunos a responsabilidade para que o processo se efetive. Ao contrário, se o professor permanecer em uma margem e seus alunos mantiverem-se na margem oposta, será muito improvável que, a tal distância, possam sequer conhecer-se; o que dizer de construir algo juntos.

Mas ainda que esta seja uma bela metáfora – cruzar o rio – a postura com que empreendemos esta travessia trará consequências inevitáveis, como seguem:

Opção 1: Professor indiferente, não muda seu planejamento sob hipótese alguma: Quando ouve falar acerca de “cruzar o rio”, só imagina aquele manancial barrento ou poluído. Cruzá-lo? Nem pensar! É bem mais seguro ficar em terreno conhecido e previsível, sem surpresas (que bem podem ser agradáveis);

Opção 2: Professor receoso, fazendo algo porque disseram que deve ser feito: Ao tentar cruzar o rio sem segurança, correrá o risco tanto de afogar-se quanto imputará em seus alunos, obviamente, o mesmo receio;

Opção 3: Professor seguro do que empreende: Cruza o rio com a postura inerente de quem sabe onde deseja chegar, alcançando a outra margem com um prazer evidenciado pelo semblante feliz. Aos olhos de seus alunos, tamanha felicidade só pode ter uma única razão: é muito prazeroso cruzar este rio.

Somente o professor ilustrado na terceira opção convencerá seus alunos a jogarem-se nas águas, ainda que não precise dizer uma única a palavra com o intuito de angariar adeptos à travessia. O sorriso farto e sincero – linguagem internacionalmente usada para expressar felicidade genuína – os encantará bem mais do que todas as palavras que ele pudesse empregar.

E quanto a convidar ou não nossos alunos para cruzar o rio, não residem dúvidas: podemos estimulá-los a atravessá-lo por conta própria. Cabe aqui, contudo, ponderar: é papel do bom educador preparar seus alunos para tanto, permitindo-lhes intuir quando é chegada a hora. É esta lacuna entre o momento que o mestre encontra seus alunos e o instante em que eles próprios se jogam nas águas, certos de estarem preparados, a minha metáfora pessoal para convivência.

sábado, 26 de setembro de 2009

* Educação social e crítica *

Freire é um norte dos movimentos de educação social e crítica, posto que valoriza a interação entre seus atores. Destaque-se nesta interação o diálogo, a mediação e a desconstrução da sociedade como esta se apresenta, com o intuito de compreendê-la e transformá-la, ressignificando-a, a fim de que o indivíduo veja-se como parte dela.

Freire é basicamente conscientização e reflexão. Para GIROUX, segue-se uma lacuna entre o modelo proposto por Freira e os demais, posto que estes reforçam a lógica do poder por parte de poucos, forjando uma maioria como mão-de-obra apática e subserviente.

Na práxis freireana, alfabetização de adultos é sinônimo de democracia, reflexão e libertação. Uma fala alheia à história pessoal de cada aluno, neste sentido, torna-se impensável quando o objetivo é a construção do conhecimento como inserção social, a leitura como ponte para o empoderamento. Ninguém, através da ótica de Freire, permanece analfabeto porque assim aspira. Estar alijado de condições adequadas de vida, a fome advinda da miséria e escorchantes desigualdades sociais são, inexoravelmente, são a semente desta condição.

A intencionalidade da EJA é reconhecer na alfabetização mais do que dominar técnicas de junção de letras e símbolos para ler e escrever. A EJA vem devolver o que fora surrupiado ao longo de anos, nos quais o acesso e, principalmente, a permanência na escola tornaram-se impossíveis de atrelar-se ao cotidiano.

Descentralizar poderes e dotar cada indivíduo de “empowerment”, justamente aponta e favorece uma relação de colaboração entre os pares, em detrimento da visão hierárquica e dominante entre partes. Passa a ser acessível a todos o planejamento, a execução e a resolução de problemas. E na medida em que se permite a todos tornarem-se “metacompetentes”, não mais teremos pessoas que apenas cumprem expectativas, mas que agem com a iniciativa própria daqueles que são críticos de seu entorno e que nele atuam de forma cooperativa.

sábado, 19 de setembro de 2009

* Relações cristalizadas na escola *



Quando se pensa educação, nada mais saudável que ver-se provocado à reflexão. Posto que nossos professores estimulam-nos a repensar o que nos parece irrefutável, a professora Caroline, em seu comentário sobre minha postagem acerca de Comênio, praticamente convidou-me a desconstruir certezas.

Acredito que praticamente na totalidade das esferas do conhecimento universal, o conhecido não justifica ignorar alternativas às práticas já estabelecidas em nossas escolas. As poucas exceções, algumas irrefutáveis, jamais perderão sua assertividade, não apenas por sua importância na trajetória da humanidade, mas porque continuam tão atuais quanto em sua época. Assim permanecem tanto os magníficos filósofos – Aristóteles, Platão, Sócrates – quanto os mestres que viveram sob a égide da divindade, Jesus Cristo e Buda. Isaac Newton e Einstein, Michelangelo e Da Vinci, Machado de Assis e Clarice Lispector, Freud e Jung, Madre Teresa e Francisco de Assis, entre outros, todos impingiram na história sua marca insubstituível. Entretanto, se ao novo se evitasse conferir uma aura de supremacia, nossa sociedade não teria a face que conhecemos: competitiva, extenuante, usurpadora - o esteio de um discurso pedagógico estéril. Estes são produzidos em diferentes momentos históricos e estabelecem critérios de legitimidade podendo ser tomados como verdade.

É interessante quando olhamos discursos que parecem tão contemporâneos e conseguimos localizar sua derivações. Acredito que um dos papéis do educador seja questionar tudo o que estabeleceu-se como atual e inovador.

Reporto-me às roupagens que recebe, de tempos em tempos, um mesmo discurso. Impossível não fazer referência a Santomé: "Termos como "interdisciplinariedade", "educação global", "centros de interesse", "metodologia de projetos", "globalização" sistematicamente aparecem, são descartados sem qualquer pudor para reaparecer com outra denominação. Aplica-se botox para que acreditemos estar diante da "pedra filosofal" da educação.

A utopia - "lugar que não existe" – cotidiana acerca de pensar um planejamento tendo como referencial a "realidade do aluno" frustra-me por ser factível mas a permanecer apenas como uma retórica cínica, a gargalhar de nossa conivência, de nosso silêncio.

É possível identificar que, invariavelmente, o projeto pedagógico das escolas mantém-se legitimado por mascarados discursos dominantes. Cabe ao professor não intimidar-se diante do cinismo da apregoada ingerência de todos os envolvidos na "construção" deste projeto. A verdadeira construção só poderá dar-se pelo enfrentamento do óbvio e aceito como inquestionável no processo de ensino-aprendizagem.

Um inquietante receio do professor que frente à provocação de despir-se de sua relação de poder entre quatro paredes e além delas (a causar toda forma de estresse no seio familar quando o aluno e sua família percebem-se reféns dos conceitos atribuídos exclusivamente pela capacidade do primeiro de corresponder às expectativas do professor), não apenas representa, mas é a justificativa de manter o que está posto. Não raro, ao deparar-se com a fala questionadora das relações hierárquicas entre os atores envolvidos na práxis pedagógica, talvez por agarrar-se de forma desnecessária ao que é familiar, sente-se paralisado o professor frente a necessidade de resignificar sua prática e "arriscar-se" a ver os educandos como seus pares.

A título de ilustração de minha afirmação das relações já cristalizadas nas escolas, pergunto: quem de nós não conhece a dinâmica do texto em sala de aula, mais precisamente o que está previsto de forma inflexível após a leitura ou contação de uma boa história? Percebi na pergunta de meus alunos um vazio em minha prática: “Vai ter perguntas depois, "né" professor?” Ou seja, o apreendido desde a tenra chegada à escola formataram neste aluno que uma história só se presta a preceder uma lista de perguntas.

Por fim, breves reflexões aos questionamentos da nossa professora Caroline:

1) O que o aluno deseja?

Se ainda não direcionamos tal questionamento ao próprio aluno, permaneceremos no seguro terreno das conjecturas a respeito.

2) Como ensinar o que o aluno deseja?

Permitindo a este subestimado educando que nos indique tanto “o que” quanto o “como” pensar nossas estratégias de ensino aprendizagem.

3) E o currículo? Não seria este um artefato cultural que produz desejos de aprender?

Sem sombra de dúvida. Contudo, permanece o currículo como um desenho pedagógico exclusivamente nas mãos do professor.


SANTOMÉ, Jurjo Torres. As origens da modalidade de currículo integrado. In:______. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p.9-23.

Fonte do desenho no topo da postagem: HARPER, Babette et al. Cuidado, Escola! São Paulo: Brasiliense, 1980