terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pensando a importância da leitura


Interdisciplina: Infância de 0 a 10 anos
Eixo:II
Memórias e Identidades

A infância é uma construção da modernidade, sendo desenhada a partir dos últimos duzentos anos. Antes, sujeitos de pouca idade conviviam com os demais, sem os direitos que hoje lhes são conferidos. Hoje, dividimos a linha de tempo de um indivíduo em várias etapas, sendo a infância uma delas.

Trabalhamos basicamente com esta faixa etária, mas em tempos de inclusão não raro temos alunos de 16 anos ou mais entre os, literalmente, pequenos. Via de regra, trata-se de alunos que não conseguiram acompanhar os demais colegas ao longo de anos de escola, tendo fracassado sistematicamente, chegando ao 5º ano com idade para estar freqüentando o ensino médio, mas alguns com pré-requisitos para estar, no máximo, no que hoje chamamos de 3º ano (antiga 2ª série).

Toco neste assunto porque meu TCC está a enfocar a produção textual em tempos de Internet. Meu projeto de pesquisa para um futuro mestrado igualmente apontará, com mais profundidade, para questão semelhante. Em suma, o projeto apontará que a utilização de uma ferramenta como o blog pode contribuir definitivamente para uma melhor produção escrita por parte dos alunos.

Foi então que, na manhã de hoje, estava a trabalhar com uma turma de 5ª série na biblioteca da Escola...

Atuo como bibliotecário e operei várias mudanças significativas na estrutura do setor, tendo a Escola alcançado a marca histórica de quase 800 alunos cadastrados na biblioteca, sendo que são 1300 alunos matriculados na instituição. São alunos que supostamente retiram livros, ou já retiraram ao menos um, ou não estariam no cadastro. Esta turma, infelizmente, só tem 4 alunos cadastrados. Coincidentemente, é uma turma que se caracteriza pela presença de alunos que estão repetindo a mesma série pela segunda ou terceira vez e, principalmente, por uma dificuldade absurda de escrever algum parágrafo realmente relevante (nem estou a pensar em questões gramaticais).

Pois eis que estávamos fazendo um trabalho de restauração de livros e de organização do acervo. Por fim, ao identificar as coleções dispostas nas prateleiras, passamos a classificá-las com etiquetas como “contos, poesias, novelas, teatro, reportagem, ensaio, literatura infanto-juvenil, etc.” Ao mesmo tempo eu ia sugerindo livros de acordo com as preferências de cada um para histórias. Exemplo: “Professor, eu gosto de filmes de suspense e policial.” Ao que eu recomendava: “Então tu vais gostar deste livro do Marcos Rey.” E explicava a razão de minha afirmativa, dando uma espécie de resumo da história...

E assim se seguiam os minutos. Ao final de tudo isso, os mesmos quatro alunos de sempre retiraram livros. Os demais saíram caçoando destes, dizendo que ver tv é melhor e que ler é chato, coisa de (pasme) “boiola”. Aliás, a palavra definitivamente chula entrou para o vocabulário dos alunos de qualquer série e todos aqueles que não transgridem regras e demonstram aplicação aos estudos assim são chamados: boiolas.

Honestamente eu fico a refletir: é deste perfil de aluno que estou a pensar quando escrevo meu TCC ou meu projeto de pesquisa? Digo isso porque parece generalizado este descaso com tudo o que é referente à cultura. Quando se fala em ler para escrever melhor parece que estamos a falar de logaritmos para uma criança ou adolescente da quinta série: não entendem, não vêem sentido, não acreditam, não lhes diz respeito enfim, não enxergam qualquer relação. Que alunos são estes, afinal? Nenhum trabalho com blog, por melhor que se configure, vai operar milagres com este perfil de aluno. O próprio Pierre Levy, em sua obra Cibercultura, afirma que a tecnologia por si só não vai operar qualquer milagre. E eu também arrisco minha própria afirmação: o professor continua sendo apenas professor, não mágico. As melhores ferramentas de informática nada farão por alunos que só pensam em Orkut quando se fala em Internet, sem sequer desejar conhecer ferramentas novas e mesmo se mostrando mal educados quando os professores não os permitem acessar o site de relacionamentos pois, convenhamos, há hora e local para tudo, inclusive para o Orkut. Claro que vai surgir em algum lugar alguém a dizer: “Pois que este professor faça um trabalho com o Orkut para que os alunos tenham um olhar mais crítico acerca de suas postagens.” Alô, realidade chamando!!! Qualquer um que escrever com correção no Orkut vai fatalmente ganhar um apelido nada cordial e o professor será chamado de chato, ultrapassado, etc. É cultural: falar e escrever um pouco melhor faz de você um ser estranho.

Esta postagem fica assim, em aberto, pois estou questionando o que, para fins de reflexão pessoal, tenho por verdade: sem leitura, sem muita leitura, NINGUÉM vai escrever melhor. Nenhuma ferramenta substitui a leitura, a cultura do ler, antiga mas jamais ultrapassada. Sinto muito alunos, sem leitura seus textos continuarão paupérrimos.

Um comentário:

Patrícia_Tutora PEAD disse...

Ótimo Paulo! O nosso papel como professores (um dos) é incentivar a leitura sempre, independente da área de atuação do professor.