domingo, 17 de outubro de 2010

* Coesão e coerência *

EIXO 7

linguagem e educação

MÓDULO 7 – práticas de leitura, escrita e oralidade nos anos iniciais do ensino fundamental

Coesão e coerência em textos escritos iniciais


De acordo com Foucambert (1994, p. 76), o ato de escrever é justamente "inventar algo jamais lido, porém a partir de uma teoria (na maioria das vezes implícita) que tenta organizar todos os componentes da experiência de leitor de quem escreve."

Pergunto-me: quem lê as produções dos nossos alunos? Para quem nossos alunos escrevem? Até hoje, seus textos seguem sob o olhar de um único leitor e acredito que o texto do aluno precisa de outros leitores além do professor.

O papel do professor ao trabalhar com seus alunos a produção textual, neste momento de leitura dos textos, será o de dialogar com o seu autor, fazer perguntas, ouvir também as entrelinhas de cada resposta e, com ele, buscar o que é necessário reescrever em uma segunda versão deste mesmo texto. Finalmente, tanto o professor quanto o autor do texto, podem e DEVEM divulgar esta segunda versão: varal, blog, wiki, etc.

Ao escrever estamos a comunicar quem somos, nossas crenças, nossos pontos de vista e nossa forma de interpretar o que julgamos ver, ouvir, provar, ou seja, utilizamos todos os sentidos para contar de nossas experiências intrínsecas sobre nosso meio e como ele nos afeta.

O que é um texto coerente? De acordo com Vidal e Silveira (2005), é aquele em que suas partes, embora distintas, relacionam-se de forma harmoniosa enquanto o autor escreve. É o texto que apresenta um crescente temático, isto é, do início ao fim o leitor percebe que houve progresso na exploração de um assunto, ampliando-o ao longo dos parágrafos. Finalmente, coerente é aquele texto que se comunica com o leitor dentro do seu universo cultural e gênero discursivo.

As autoras destacam ainda o significado de coesão textual, noção que, embora se relacione à coerência, a esta não se equivale. Pode-se obter um texto coeso com o emprego de palavras que se relacionam no sentido – sinônimos – ou a partir da opção por artigos, pronomes, advérbios, adjetivos, numerais e conjunções, como em: Maria ganhou um livro. “Ele” tem capa dura.

E para que possamos perceber como uma criança de 1ª série (atual 2º ano) descreveu uma situação registrada em uma ilustração colada na folha em que faria sua produção textual, tomaremos como exemplo o seguinte texto:

Era uma vez dois irmãos. O dia estava

muito frio. Era denoite e a menina estava

vendo filme de terror o irmão aproveitou que ela

estava com medo e o irmão queria fazer ela ficar

com mais susto então ele pegou um lençol,

foi caminhando bem devagarinho e deu um

grito e a menina pensou que era um

monstro.

Trata-se de uma narração, na qual estão evidentes os estereótipos masculino e feminino: o menino que não tem medo de monstros e a menina, sempre temerosa, fácil vítima das artimanhas de seu irmão. Temos aqui, claramente, um olhar do autor sobras relações estabelecidas entre sujeitos de gêneros distintos a partir de um modelo – esquizofrênico – de sociedade: menino forte X menina frágil; menino esperto X menina tola; menino corajoso X menina desprotegida. Não importa o ângulo do qual se leia este texto, os papeis seguem inflexíveis para cada um.

Ainda que o exemplo acima não traga o nome do autor ou, no mínimo, alguma pista quanto a se tratar de um menino ou menino, podemos pensar duas coisas: em se tratando de um menino, este já está a estabelecer que a relação entre homens e mulheres passa pelo primeiro como algoz do segundo. Contudo, caso seja uma menina a criança autora do texto, temos aqui alguém que internalizou como ocorre o relacionamento entre meninos e meninas, basicamente restando-lhe soltar um grito como único esboço de reação à crueldade masculina.

Indo muito além da revisão gramatical da produção textual do aluno, o que as autoras nos provocam é uma reflexão quanto à avaliação acerca deste texto, vendo-o “como resultado de um processo de aquisição dos mecanismos da língua escrita pela cri­ança, com uma especial ênfase nas questões da grafia, e, como corolário desse entendimento, respeitar o texto da criança, não o tornando um mero objeto preferencial de correções, tornou-se uma das ‘verdades pedagógicas’ correntes” (2005, p.1). Meu TCC trata justamente da utilização da Internet em sala de aula e da produção textual. Neste sentido, dado que a Internet disponibiliza uma infinidade de portadores de textos – receitas, letras de músicas, histórias em quadrinhos, poemas, lendas, fábulas, entre outros – percebe-se que nesta equação entre portadores de texto + Internet + aluno + professor, é mister um planejamento que privilegie “uma estratégia adequada a ser utilizada pelos professores e professoras que, desta forma, estarão contribuindo para a qualificação da produção textual de escritores iniciantes” (Vidal e Silveira, 2005, p.7).

Referências:

FOUCAMBERT, Jean. Leitura em Questão, A. Artmed. 1ª edição. 1994.

VIDAL, Fernanda; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Coesão e coerência em textos escritos iniciais: algumas reflexões. In: MOLL, Jaqueline(org.). Múltiplos alfabetismos: diálogos com a escola pública na formação de professores. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005. p. 135-146. (Texto 11 – Módulo 8).

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