segunda-feira, 2 de novembro de 2009

* Corrigindo produções textuais sem hipocrisia *



Costumo manter cautela diante de comentários que dão conta do que agora “não se faz mais” em sala de aula ou do que “não se diz” ao pensar educação. Sou particularmente avesso ao tido como politicamente correto na educação pois, via de regra, está mais a serviço do mascaramento de uma questão que não se resolveu ou de algo com o qual não sabemos lidar do que em favor do processo de ensino-aprendizagem. E neste “não se diz assim” e “não se escreve mais deste modo” segue o faz de conta, no qual tudo parece melhor em razão do emprego de um vocabulário cunhado para emprestar uma aura de novidade ao insolvente ou surrado.

Dentre tantos, não “macular” a folha de redação do aluno passou a ser uma bandeira ferozmente erguida pelos “modernos”. Corrigir a produção textual do aluno, a seus olhos, seria mais condenável do que toda a barbárie cometida neste País no que se refere ao desvio de verba da educação para fins particulares e, sem evitar a ironia, prática de todos os governos longe de serem “politicamente corretos.” Pois não aceitei este novo ditame (nem tão recente) e sigo recolhendo os textos produzidos para a devida correção. Mas chamo a atenção de meu leitor no portfólio para a “devida correção" dos textos, não qualquer correção. Assim, depreende-se que existam formas de corrigir um texto que representarão um ganho para o aluno e incremento de valor ao seu processo de construção do conhecimento de sua língua.

Tão logo o aluno conclua sua produção, em uma folha que costumo chamar de “rascunho” - que moderno, não? - ele a traz até minha mesa e, permanecendo a meu lado, ouve-me a ler cuidadosamente o que escrevera. Não “tento entender” o que está escrito no que se refere à caligrafia; se a letra mal traçada dificultar a leitura ou mesmo impossibilitá-la, ao ouvir-me titubear ou parar de ler, o próprio autor faz menção de corrigir o que está mal escrito. Simultaneamente, vou sinalizando com um traço ou círculo palavras que não seguem a norma correta – troca de letras, esquecimento de acentos, etc – e, por fim, abre-se informalmente um espaço para que o aluno pergunte, afinal, a razão dos círculos e/ou traços. Como regra, escolho uma ou duas palavras e indico qual foi o equívoco cometido. As demais, oriento, ele próprio precisará proceder com a correção, de forma individual ou em duplas. Neste momento, o trabalho com o dicionário torna-se significativo para a criança e uma ferramenta inquestionável de aprimoramento linguístico. Contudo, problemas estruturais ou de concordância beneficiam-se bem mais da discussão em grupo; a formulação de hipóteses pode ser extremamente proveitosa quando realizada com um colega do que exclusivamente de forma individual.

Tendo concluído esta etapa do trabalho, o aluno retorna com seu texto, geralmente no verso da folha ou no espaço livre que porventura exista abaixo do texto original. Procedo com a leitura junto a meu aluno e, ao final, pergunto-lhe se notou alguma mudança. Se o professor leu sem dificuldades, conclui-se que a caligrafia está mais apurada e que a estrutura do texto ganhou em qualidade. Entretanto, ainda nesta etapa erros podem perdurar ou novos podem surgir; eles novamente serão sinalizados. De qualquer modo, para evitar que o trabalho se estenda sobremaneira e pareça infrutífero ao aluno, evito sinalizar com infindáveis idas e vindas até que o texto não contenha erros, posto que tal depuração não é meu objetivo. A bem da verdade, toda a mudança que o aluno empreender na segunda versão do seu texto e, finalmente, na terceira e última, em uma folha nova, é semente para melhores produções textuais. Acredito que esta forma de trabalho de correção e aprimoramento de textos trabalhe, sem hipocrisia, com o erro construtivo, pois não mascara o equívoco; pelo contrário, evidencia-o para que possa ser reparado pelo mesmo escritor que o cometera.

Um comentário:

Geny disse...

Caro aluno Paulo,
Acredito que com sua experiência requintada de profissional da educação, seu questionamento é relevante, de seguir os seus experimentos, que já deram certos no processo de ensino-aprendizagem. Existem coisas que são imutáveis na formação do ser humano, como determinados valores, vou citar só um exemplo, no caso o respeito do aluno para com o professor e vise versa, é evidente que haja inovações e adaptações, quando se exerce essa atividade.
Qual é o seu procedimento nessas inovações e adaptações?
* Paulo Freire um entre os maiores educadores que eu conheci e tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, foi quem delineou a Pedagogia da Libertação, relacionada com a visão do terceiro mundo e das classes oprimidas. Suas maiores contribuições foram no campo da educação popular para a alfabetização de jovens e adultos operários.
* Hoje a maioria dos pedagogos desenvolvem seus trabalhos tendo como base os conceitos de Paulo Freire.
* Onde quero chegar! Como tudo que não é bem entendido e mal aplicado pode ter um efeito contrário, no caso a Pedagogia da Libertação se mal aplicada seu resultado é a LIBERTINAGEM.
* Acho que vou me fazer entender, então concordo com seu jeito de fazer suas correções nos trabalhos de seus alunos.
Desde já agradeço suas postagens!
Um grande abraço,
Geny Schwartz da Silva
PEAD/FACED/UFRGS