segunda-feira, 16 de novembro de 2009

* Perplexidade *




Acredito que a palavra perplexidade defina o sentimento do meu grupo de EJA a medida em refletíamos sobre a prática na escola observada. Ainda que não apareçam em nosso pôster os três itens destacados abaixo, nossa observação se deu em uma atmosfera de animosidades e um certo desgoverno. Ainda que tenhamos presenciado momentos louváveis, marca igualmente perceber que alunos, professores e funcionários convivem com:

1. Períodos seguidos de aulas sem qualquer intervalo, este suspenso em função do tráfico de drogas no interior da Escola.

2. Significativa evasão justificada pela suspensão do recreio, como se esta fosse uma justificativa plausível.

3. Mais de uma dezena de câmeras de segurança espalhadas em corredores e nas salas com equipamentos caros, além do refeitório.

Procedemos com a observação in loco, entrevistas aos professores, alunos e equipe administrativo-pedagógica, coleta de dados, tabulação e criação de gráficos. Os dados coletados nos mostram que os educadores da Escola observada têm uma formação acadêmica diversificada, sendo que dos 20 professores atuantes em sala de aula, oito têm graduação e seis têm pós-graduação. Os demais - quatro professores - têm estudos adicionais e dois têm magistério. Uma expressiva maioria do corpo docente é formada por profissionais com tempo considerável de experiência no magistério: mais de 12 anos, mas com boa parte ultrapassando as duas décadas em sala de docência.

No que concerne o planejamento das aulas, pode-se verificar a utilização de recursos disponibilizados na web (basicamente sugestões de atividades), assim como a criação de tarefas a partir da própria experiência do educador.

No quesito avaliação, as provas escritas sobressaem-se como instrumento para tal.

A metodologia empregada privilegia os projetos de ensino (mensais), coma adesão de 100% dos professores, assim como a aula expositiva dialogada é o norte para 60% dos profissionais. O Projeto de Aprendizagem é adotado por apenas um dos vinte educadores. O mesmo projeto foi visto com desconfiança pelos demais, posto que "dá a impressão de que os alunos não irão estudar”.Certamente, estamos diante de um desafio quase intransponível neste momento: quebrar o paradigma de colocar nas mãos do professor, e somente sob sua tutela, a responsabilidade de determinar o que os alunos desejam construir enquanto aprendizagem.

Os recursos utilizados são vários, o que nos mostra que a Escola investiu em equipamentos: computadores com Internet, data show, entre outros. Entretanto, há um flagrante predomínio do uso do aparelho de dvd (80%) e de folhas xérox (100%) como recursos utilizados pelos professores em sua práxis.

Ficam as questões a espera de respostas: como uma escola que empreendeu altos investimentos em tecnologia e que conta com professores, na imensa maioria, com ótima formação acadêmica, ainda realiza um trabalho centrado no conteúdo? Como uma escola de tal quilate não assume que uma das ações sensatas em relação à drogadição seria levar em conta os saberes dos alunos em seu planejamento, encantando-os para a construção do conhecimento cooperativa?

Giroux assinala que estamos diante de uma urgente necessidade de pensar e "desenvolver práticas pedagógicas (...) que reúnam os professores, pais e alunos em torno de visões da comunidade que sejam mais emancipadoras.” Penso ser inaceitável que se continue planejando sem pensar em estratégias e temas que tenham por norte a identidade de todos os atores do processo de ensino-aprendizagem. Para Cury, "mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho.”


REFERÊNCIAS:

GIROUX, Henry. Alfabetização e a pedagogia do empowerment político. In: FREIRE, Paulo e MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura da palavra, leitura do mundo. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 1-27.

Parecer CEB no 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos . Relator: Carlos Roberto Jamil Cury

3 comentários:

Geny disse...

Caro aluno Paulo Assis,

Fiquei perplexa com suas colocações referentes à realidade da comunidade escolar ou será que estou equivocada? Quanto à inovação dá para sentir a insegurança dos Educadores, o que me parece que estão acomodados!
A escola oferece condições de realizarem um bom trabalho!!!
Paulo confiando na sua capacidade analítica de Educador comprometido com o futuro da Educação. O que podemos fazer para mudar tal situação?
Um grande abraço,
Geny Schwartz da Silva
PEAD/FACED/UFRGS

Paulo disse...

Querida professora:

A senhora não está aquivocada: não por outra razão escolhi para o título de minha postagem a palavra PERPLEXIDADE.

Infelizmente, fruto de observações e análises ao longo destes semestres todos no PEAD ouso afirmar que esta escola não é uma triste exceção. Não raro, professores brilhantes desenvolvem trabalhos magníficos mesmo sob a tutela de planejamentos pedagógicos estéreis. Para mim, estes educadores são os herois do nosso cotidiano escolar ao não sujeitarem-se ao medíocre, ao mais fácil, previsível e hermético.

Para mudar esta situação, insistir por uma pedagogia comprometida com o educando e não voltada para as conveniências do educador é a postura desencadeadora de transformações assim como, estejamos preparados, animosidades. Mas estou disposto a isto também.

Um grande abraço.

Paulo Medeiros

SIMONE MOURA disse...

Paulo, escolhi teu blog para análise em minha síntese. Fiz a escolha em função de ter recebido, ao longo do curso, algumas mensagens que enviaste para a lista e que considerei interessantes. Quero dizer que a leitura do teu blog foi uma tarefa deliciosa. Tuas postagens têm, além da propriedade teórica, a dose necessária de indignação e idealismo que deve compor todo educador. Acredito que era disso que Paulo Freire falava quando dizia que todos nos educamos em comunhão. Desejo que possamos continuar nos educando através de partilha de idéias e sentimentos que certamente temos em comum. E que sonhemos juntos, também, pois Freire também nos ensinou que precisamos lutar para tornar possível o que ainda parece impossível. Um grande abraço. Simone Moura - Pólo São Leopoldo