quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Teatro na Escola




A proposta de levarmos para nossas turmas o trabalho de teatro que vivenciamos em nossa aula presencial acabou tornando-se uma verdadeira fonte para reflexões. Tendo como objetivos os três listados abaixo, percebi que obtivemos - professor e alunos - muito mais do que iniciando era desejado.
Objetivos a que eu havia me proposto com o trabalho:

1. Trabalhar com os alunos a exploração espacial, o respeito pelo espaço alheio e a comunhão deste mesmo espaço.

2. Estimular a atenção para diferentes sons, não necessariamente comuns no cotidiano, respondendo a estes por meio de simulação de uma situação (foto ou estátua), lidando com diferentes níveis e direções ao deslocar o corpo pela sala de aula.

3. Dramatizar situações do dia-a-dia familiar por meio da técnica da fotografia e da narração da situação durante a transição de diferentes cenas.
A excitação dos alunos, sinalizada pelas gargalhadas excessivas, quase ruidosas, não chegou a ser um problema. Pelo contrário, pareceu-me assim que atestavam o quanto estavam se divertindo. Ainda que não seja um objetivo explícito, meu desejo era o de que, acima de tudo, os alunos experimentassem prazer em desenvolver as atividades.
Quando os alunos perceberam que o objetivo da proposta do "álbum" era construir boas cenas, a melhor possível, sem para isso ocupar lugar de destaque em detrimento de outros grupos, a atmosfera de comunhão fez-se totalmente presente no trabalho. Refletimos em conjunto que não precisamos estar competindo o tempo todo em todas as tarefas e veio de um aluno a conclusão que "contribuir é o melhor para todos nós."
As atividades desenvolvidas, descritas em meu webfolio, reconhecem no teatro, ainda que momentaneamente, seu papel único na formação dos indivíduos, com um fim em si mesmo e não como ferramenta para o entendimento e conteúdos desenvolvidos em outras disciplinas. Segundo Cleusa Jocélia Machado, professora de Artes Cênicas do Colégio de Aplicação da UFRJ, não importa, visto por este prisma, "se o aluno é ou não um artista ou determinar o valor artístico da criação em sala de aula." Os exercícios propostos, os jogos dramáticos e as atividades que envolvem o corpo criam uma nova realidade, assumindo o estudante um outro espaço que não o da vida cotidiana e, até mesmo, um outro papel neste espaço.

A expressão de uma idéia é o próprio texto no teatro, aqui entendido não apenas como uma sucessão de fala articulada, mas de uma intenção que é transmitida, a qual pode vir através de um som, um gesto, uma postura, além da palavra.

O teatro ainda está longe de ser uma disciplina na grande maioria das escolas. Ele ainda aparece, quando muito, atrelado aos assuntos de um componente curricular ou evidenciado como ferramenta lúdica para a evocação de ideais nacionalistas, notadamente nas horas cívicas.
Assim, no contexto escolar, podemos encontrar o teatro nas seguintes situações:
1. O teatro sendo utilizado como meio para o entendimento de um determinado conteúdo de disciplinas do currículo;
2. Em apresentações que se desenvolvem a partir de jogos criativos e de práticas de improvização;
3. No jogo dramático, quando se pretende uma prática lúdica tanto individual quanto em grupo, sem a necessidade de platéia, mas principalmente para a "apropriação dos mecanismos fundamentais do teatro", conforme Ana Carolina Müller Fuchs;
4. Nos jogos teatrais, por meio dos quais se traz para o plano físico o que habita o terreno das intenções, dos sentimentos, das sensações e pensamentos. Este método "inclui jogos que propõem um desafio a ser resolvido e que inclui a relação entre quem improvisa e quem assiste."
Isso me faz questionar: por que se faz tão pouco teatro nas escolas? Se os resultados positivos são visíveis no semblante dos alunos (vide fotos acima), qual a razão para a exclusão quase total do teatro em nosso COTIDIANO?
Entendo que o teatro tem um papel singular na formação do indivíduo e que negá-lo ao aluno acarrete em um equívoco impossível de ser reparado, exceto pelo próprio teatro.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Vincent Van Gogh e as crianças




O questionamento proposto no fórum de artes visuais moveu-me a postar uma atividade pregressa, aqui no portfolio.

O questionamento: quais os desafios que o professor encontra no ensino de artes? São desafios tanto materiais quanto humanos. A carência de material é óbvia, mas a ausência de vontade de fazer um bom trabalho não é rara. Dado que bons e maus profissionais teremos sempre e em todas as esferas do serviço público e privado, resta a cada um decidir de que lado quer ficar. Feita a opção pelo time que busca estabelecer objetivos e produzir conhecimento COM os alunos POR MEIO do trabalho de artes, procura-se dar um "chega pra lá" também na justificativa de que "nada faço porque não tenho o material que preciso". O "material" mais rico é o professor. Coloque um professor obtuso ou desestimulado em uma sala ambiente toda voltada para artes na melhor escola e o resultado será inferior ao daquele alcançado por seu colega em uma outra escola, sem um quarto destes materiais, mas que promove um olhar curioso por parte de seus alunos ao mundo que nos cerca. Dificuldades para que eu, Paulo, trabalhe com artes? Se me permitir contaminar com toda a espécie de "razões" para insistir na folha mimeografada para pintar, EMPRESTADA pela colega de série, estarei frente a maior das dificuldades: meu senso de valor limitado em relação a meu papel enquanto educador.


Um trabalho que muito gostei de fazer com uma turma de 4ª série, ainda em 2005, foi sobre a vida de Van Gogh. O início: os alunos levaram para casa um material impresso com uma pequena biografia do artista. Durante o final de semana tinham apenas duas tarefas com este material: lê-lo e destacar um fato que chamasse a atenção. Recordo os mais destacados: o fato de Van Gogh não ter seu trabalho valorizado ainda em vida. Sua depressão e demais problemas psicológicos. E algo inusitado de ser destacado: ser um homem muito feio. Coisa de criança mesmo (risos). Os alunos pensavam que todo artista certamente pertenceria ao topo da pirâmide social, todos se tornam celebridades com verdadeiras hordas de fãs a venerá-los e que são incontestavelmente felizes, com auto-estima irretocável 24 horas do dia. Após tal discussão, vimos parte do filme SONHOS, de Akira Kurosawa. Por que parte do filme? Para quem já o assistiu, sabe que a obra é dividida em episódios (os sonhos do título), e que um deles traz Van Gogh e sua obra como pano de fundo.

Os alunos encantaram-se como Akira Kurosawa transformava paisagens em quadros do artista, tanto quanto sentiram-se mais apropriados da história do pintor e de suas motivações para pintar suas telas. Já em sala de aula, cada aluno recebeu uma pequena reprodução de Noite Estrelada e uma outra com O Quarto. Foi identificação total: o quarto humilde aproximou-os do holandês que não era, como eles, celebridade em seu tempo. O céu noturno repleto de estrelas representava quase que um hobby que muitos deles relataram: ficar olhando estrelas à noite (lembro que, naquele momento, tive a certeza de que vivia um momento mágico com meus alunos poetas). Os alunos fizeram, então, uma interferência na obra de sua escolha. Lembro que uma imensa lua à direita da tela ganhou a forma de um ovo estrelado nas mãos de um dos pequenos. Outro, ousou ver nas árvores à esquerda um foguete pronto para ganhar os ares.

Enfim, fizemos uma exposição dos trabalhos no saguão da Escola. Ao lado da obra de cada aluno, a miniatura com a obra do pintor holandês Vincent Van Gogh. Já em 2007, é o professor daqueles alunos que faz semelhante interferência na obra de Velásquez, como tarefa da Artes Visuais.

Para concluir, uma evidência que salta aos olhos: definitivamente, nossos alunos são avessos à mediocridade.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Contos de fadas


O trabalho sobre elementos da narrativa a partir do conto Cinderela motivou-me a buscar mais informações quanto a sua origem. Cheguei ao francês Charles Perraut. Este escritor, que tornou conhecida ao redor do mundo a história da órfã hostilizada pela madrasta e que descobre a felicidade ao calçar seus sapatinhos de cristal, presentes de sua fada-madrinha, também é o autor de outros tantos contos belíssimos, mas bem menos populares.

Dentre estes, escolhi justamente um conto intitulado "As Fadas" para uma roda de histórias com alunos de 4ª série. Com exemplar simplicidade, mas longe de ser superficial, Perrault descreve o valor da gratuidade das boas ações. Ele nos relata como duas irmãs, ao vivenciarem uma mesma experiência, tomam decisões distintas, que resultam em destinos completamente diferentes. A primeira irmã, de boa índole, sacia de bom grado a sede de uma humilde senhora que passava próximo a uma fonte em uma floresta. Ao perceber que o bem faz morada no coração da menina, esta senhora - na verdade uma fada - concede-lhe um dom. Por meio deste dom, da boca da menina sairiam flores e pedras preciosas quando esta falasse. Ao chegar em casa, sua gananciosa mãe sinalizou a outra irmã, cuja bondade não cultivava, que fosse até a fonte e desse de beber a uma pobre senhora que por lá passasse. Chegando ao local, eis que vê saindo da floresta uma senhora magnificamente vestida. Esta lhe pede um pouco de água, recebendo em retorno descaso e escárnio. Como a menina pareceu-lhe rude e pouco prestativa, concedeu-lhe igualmente um "dom", este porém um tanto diferente: ao falar, da boca da menina sairiam cobras e lagartos.

Uma belíssima conclusão dos alunos é que uma boa ação só pode ser assim denominada quando não há qualquer interesse por detrás do gesto praticado. Uma segunda análise feita diz respeito às
cobras e lagartos que saíam da boca da menina grosseira, visto que lembraram desta expressão, usada para definir o modo pouco educado de alguém se dirigir a outras pessoas. Por sugestão de uma aluna, listamos o nome de todos os contos que eles conheciam nos quais conta a figura de uma fada. Foram citados:
  1. Rapunzel
  2. A Bela Adormecida
  3. Peter Pan
  4. A Bela e a Fera
Os alunos fizeram, ainda, uma atualização das fadas dos contos acima mencionados. O casal de fadas Cosmo e Wanda, do atualíssimo desenho animado Os Padrinhos Mágicos é querido por todos eles, sem qualquer exceção.

Percebi, com esta simples atividade, o quanto uma boa história pode movimentar uma turma em torno de um tema.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

As Meninas



Na obra de Diego Velásquez - As Meninas - residem mistérios, dentre eles: o que estaria o pintor retratando na imensa tela em sua frente, à esquerda da pintura? Velásquez por vezes retratava a si mesmo em seus trabalhos, e era comum para o artista espanhol criar uma obra dentro de outra obra. Provocado pela disciplina de Artes Visuais, resolvi "desvendar" o que estaria Velásquez pintando. Criei eu próprio a tela.

Como acredito que neste quadro o artista estaria pintando o casal refletido no espelho na parede ao fundo, coloquei uma mulher ao lado de Velásquez, esta com o rosto da infanta já retratada na cena do ateliê. O rosto de Velásquez e da menina foram impressos, recortados e colados sobre o meu próprio trabalho. Em minha pintura, retratei a Velásquez com vestes azuis, cruz semelhante àquelas usadas pelos navegadores portugueses bordada no peito, ainda que ele seja natural de Sevilha, Espanha, tendo um céu com azul intenso e muitas nuvens às suas costas. Com uma estatura menor, retratei a mulher à frente de uma viçosa árvore, em plena abundância de frutos, numa analogia à possibilidade do corpo feminino gerar vida. A semelhança entre a peruca da mulher e as nuvens por detrás de Velásquez resultaram uma feliz coincidência.

Originalmente postado no meu blog pessoal em 30 de setembro: http://paulomedeiros1967.blogspot.com/

Reflexão



Todos já ouvimos alguém a dizer que uma pessoa é do tamanho de seus sonhos. Penso no quão pequeno se sente o indivíduo que não acalenta qualquer perspectiva de vida, não planeja nem, portanto, almeja qualquer novo movimento em seu cotidiano presente e futuro. Aqueles que não têm aspirações, apenas se deixam levar por mais um dia e uma noite que a este segue, num ciclo natural sem fim.
A disciplina de Ludicidade e Educação convida-nos a pensar acerca de nossos sonhos, perguntando: teria eu um sonho para sonhar? Como pretendo atingí-lo? Em meu cotidiano profissional, o que faço para fomentar a emergência dos sonhos de meus alunos?
Há aqueles que se reservam o direito de não falar a respeito de seus projetos, pois acreditam que isso comprometeria sua realização. Em outras palavras, temem o chamado “olho gordo”. Particularmente, não me detenho a analisar se o dito “olho” realmente existe, mas penso que quando algo tão desejado não se contempla, é menos em função de uma energia alheia do que por irresponsabilidade de quem não acreditou em sua própria capacidade para chegar aonde almejava. Quando ouvimos de alguém que algo é “muita areia para seu caminhão” estamos diante de alguém que, além de repetir ditos populares, carrega consigo uma flagrante baixa auto-estima. Quem determina o limite de cada um em sua caminhada rumo aos sonhos não é mais ninguém do que aquele que sonha, seja este um sonho pequeno ou grande.
Uma verdade inquestionável é que estamos sempre certos quando nossa reflexão aponta para o que acreditamos ser possível; ao acreditarmos que podemos ou não fazer e/ou ser algo que desejamos estamos totalmente corretos. Em outras palavras, acredito que o otimismo nada mais é do que uma torrente de energia mental, espiritual e amorosa para conosco a nos impulsionar enquanto o pessimismo nos acorrenta ao lugar no qual desejaríamos não permanecer. O atleta para-olímpico, que apesar de todas as dificuldades que a ausência de visão, membros ou harmoniosa função neurológica impõem, supera-as uma a uma e sente o calor da medalha no peito é alguém que não se permitiu acorrentar. A mãe que consegue educar seus filhos conforme padrões éticos, morais e religiosos, sozinha e com um salário longe de ser digno é tanto uma otimista quanto uma vencedora. A educadora, esposa e mãe que, após uma jornada de 40 horas ou mais ainda se dedica com afinco às atividades em uma Universidade que julgava tão distante está longe de ser alguém que esmorece diante das dificuldades, próprias do caminho daquele que agarra as rédeas de seu futuro com as duas mãos.
Assim, neste dia do professor, reflitamos com sinceridade e sem pudor: o que nos move dia-a-dia em nosso fazer pedagógico? Que certezas alimentamos em nosso íntimo e no coração de nossos alunos? Qual a extensão de nossos sonhos? Por que permanecemos educadores?

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Arte na Escola - Fotografia




Trabalhei nesta noite de quarta-feira, 10 de outubro, com fotografias de Sebastião Salgado. Os alunos destacaram temas em comum nas 10 imagens selecionadas da série Êxodos: etnias, raízes, busca da felicidade, desigualdades e solidão.
Extremamente gratificante ouví-los discutindo acerca da beleza contida em imagens com temas originalmente tão tristes. Destacaram a escolha do fotógrafo pela técnica de preto e branco, dos temas sociais e do cunho jornalístico de seu trabalho.
Ficou para casa a tarefa: trazer uma fotografia de mídia impressa a qual retrate tema semelhante ao da série do fotógrafo brasileiro. Colar a foto em papel branco, criando uma galeria de imagens com os demais colegas no saguão da Escola.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Artes Visuais - Cultura Visual



Na temática 4, sobre cultura visual, nos são apresentadas três imagens retratando uma mesma instituição – a família – inseridas em contextos distintos.

Acima, a primeira obra (IMAGEM 1) é de Fernando Botero, pintor colombiano nascido em 1932, caracterizada por figuras rotundas.

Botero parece evidenciar no traço de sua pintura a ganância e a imobilidade da sociedade atual, a qual visa acumular, ter sempre mais, buscando tal relação na evidente gula dos membros da família retratada. Sua obra sempre é uma sátira às instituições e a família não seria poupada de seu olhar ácido e crítico. A respeito de sua obra, afirma: “Não sou cubista, impressionista, surrealista ou expressionista. Sou o que sou.” Para o artista, uma obra pode refletir um tom dramático ou amável sem perder o interesse estético.

A imagem 2 ilustra o trabalho de Mestre Vitalino. “Família de retirantes” retrata a dura realidade do sertanejo, em uma explícita oposição à fartura da família de Botero. Mestre Vitalino nasceu Vitalino Pereira dos Santos, em Caruaru, Pernambuco, em 1909, filho de pai lavrador e mãe artesã. Em sua obra, Vitalino representava o mundo em que vivia, tornando-se o maior ceramista popular do Brasil.

Certamente, a imagem de publicidade, terceira e última, aproxima-se da família de Botero, no que diz respeito à alguma estabilidade material. A “família perfeita”, constantemente presente em comerciais de margarina, também faz suas incursões em propagandas de remédios, alardeando que a “zelosa mãe” usaria aquele produto, ou que compraria tal marca de cereais para a família “começar bem o dia”. Entretanto, a proximidade com Botero cessa nos sorrisos, pois enquanto o artista faz uma crítica, a peça publicitária visa tão somente vender um artigo de consumo. Indispensável frisar que todo e qualquer artigo veiculado através da “família perfeita” dos outdoors e comerciais de tv, passam bem longe dos caminhos tórridos percorridos pela “família de retirantes” de Mestre Vitalino.


sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O corpo como escultura






























Após nosso encontro de Teatro na Educação e ainda ENCANTADO com a magnífica proposta de Artes Visuais, resolvi unir as duas propostas e desenvolver um trabalho com os professores de minha Escola, visto que estou trabalhando como supervisor em um turno. Levei fotos de Sebastião Salgado, obras de Portinari, Tarsila, etc, e as exibi por meio de um data-show. Nas obras, um tema em comum: o cotidiano dos menos favorecidos socialmente. Antes, mas na mesma tarde, havia desenvolvido com os professores a técnica da fotografia, de nossa aula de Teatro.

Resultou assim a seguinte proposta: representar por meio de esculturas vivas duas cenas. Uma na escola, outra na família, nos diferentes grupos em que os professores foram reunidos.

Acima, pode-se ver tanto as cenas quanto os títulos que os autores deram às obras:

TOPO, À ESQUERDA: Nunca estamos sozinhos.

TOPO, À DIREITA: A família - base sólida para a criança avançar

CENTRO, À ESQUERDA: Contação de histórias

CENTRO, À DIREITA: Família sem norte

BASE, À ESQUERDA: Sem diálogo na sala

BASE, À DIREITA: Mãe zelosa

Evidências e argumentações



A interdisciplina Seminário Integrador III propõe o filme Doze Homens e Uma Sentença para que possamos contruir coletivamente conceitos de evidência e argumentação, postando-os no fórum e, posteriormente, em um único trabalho a partir da fala de todos os integrantes de nosso grupo, de número 6.

Primeiro de tudo, gostaria de salientar que o título que foi dado ao filme no Brasil não corresponde ao título original de mesmo: Twelve Angry Men. Uma tradução bem mais próxima seria "Doze Homens Furiosos".

Ainda que eu prefira o título dado no Brasil, entender o original nos dá pistas importantes para compreender o comportamento dos jurados durante seus trabalhos.
Praticamente a totalidade do júri estava contrariada com o fato de precisar permanecer naquela sala modorrenta, sem ar-condicionado (que já existia na época), a fim de julgar um caso que lhes parecia resolvido. A insistência de um único homem em trazer à luz do diálogo responsável as ditas evidências daquele crime, oportunizando argumentações tais que corroborassem ou não as mesmas, mostrou-se suficiente para que os humores se alterassem. Ao longo do filme, assistimos a um desfile de cólera, ressentimentos, frustrações e toda a sorte de questões mal resolvidas que poderiam desencadear na condenação de um suposto assassino à pena capital.

Ao mesmo tempo, o diretor deixa algumas questões para o espectador refletir:


1. Quais os critérios que permitiram a escolha daqueles jurados? Dado que um queria apenas contar histórias para passar o tempo, dois entretinham-se com passatempos em uma folha, outro fazia marketing de seus produtos, sem esquecer um que só pensava em sair para assistir ao "grande jogo", isso evidencia uma certa falta de cuidado na seleção dos mesmos.


2. Nenhuma mulher fazia parte dos membros do júri, nem mesmo entre os suplentes. Seria naquela época vetado às mulheres participar como juradas nos tribunais dos Estados Unidos da América?


Pois nas mãos dessa "pérola" de júri se encontrava a vida de um rapaz de dezoito anos, o qual teria contra sua pessoa uma seqüência de evidências que o incriminariam segundo a ótica da maioria dos presentes da haver matado o próprio pai. Dentre as evidências apontadas por diferentes jurados, destaco:

a) "Não é segredo que crianças vindas da miséria são uma ameaça para a sociedade." A fala aqui transcrita argumenta que existe uma relação evidente entre origem humilde e criminalidade. Tal argumentação encontra eco em um segundo jurado, que acredita existir nas pessoas pobres uma propensão a cometer crimes. Diante de tais argumentações, ouve-se uma afirmação contundente: "O preconceito sempre obscurece a verdade."


b) A razão que teria provocado no rapaz tal ato de violência resultando em um crime, teria sido uma briga com seu pai, que o esbofeteara naquela noite. Para Davis, o personagem de Henry Fonda, é imprescindível lembrar que o acusado "nasceu na pobreza, sua mãe morrera quando ele tinha 9 anos, morou um ano e meio em um orfanato, enquanto o pai estava preso por estelionato". Davis argumentava que dezoito anos de sofrimento ininterrupto teriam praticamente "anestesiado" o acusado contra as agressões do seu pai e que aquele seria apenas mais um episódio de violência contra sua pessoa. Mas o próprio Davis conclui que, para a promotoria, este seria um argumento muito frágil em favor do acusado.


c) Uma terceira evidência foram os sons ouvidos por um vizinho, visto que alguém gritara "eu vou te matar" no apartamento acima ao dele. Davis argumenta que as paredes e o piso que separam os andares não permitem a distinção exata do que se escuta.

d) Para a promotoria, uma evidência inquestionável era a faca encontrada e que seria a arma do crime. Sabiam que o acusado tinha uma faca igual e que a mesma, argumentou-se, era rara, sendo improvável haver outra igual nas proximidades. Davis continua a desconstruir as argumentações da promotoria e dos demais jurados tirando de seu próprio bolso uma faca idêntica, relatando que a havia adquirido em uma loja local, na qual haveria outras disponíveis.


e) Ainda no campo das argumentações, a direção do corte no peito da vítima, de cima para baixo, não poderia ter sido desferida pelo acusado, em razão de sua estatura menor e do modelo de faca utilizado para o crime, que exigia uma empunhadura distinta.


f) Uma evidência dita inabalável era o testemunho de uma senhora. Esta afirmava ter visto o rapaz matando o pai a partir da janela de seu quarto, o qual ficava exatamente à janela do apartamento em que ocorrera o assassinato. Ela se encontrava dormindo. Acordara, aprumando-se em sua cama (à altura da janela) e vira a cena relatada. Contudo, Davis atenta que a mulher tinha o nariz marcado pelo uso de óculos, tal qual um dos jurados. Para ele, o fato dela precisar de óculos para corrigir sua falta de visão e, obviamente, não estar dormindo com os mesmos, rechaça seu testemunho. Sua argumentação baseia-se ainda no fato da presença desta testemunha sem os óculos durate seu depoimento, o que poderia ser fruto de uma instrução prévia da promotoria, que ocultara ser necessário à testemunha o uso de lentes para bem visualizar toda e qualquer situação em seu redor.

O ápice da obra é justamente quando o número de jurados em favor da condenação do rapaz se inverte, passando de onze para um. O último a resistir em mudar seu voto o faz, como fica claro, por estar magoado com seu próprio filho, também jovem, que desaparecera depois de dar-lhe (no pai) um murro no seu queixo durante um desentendimento entre os dois. Percebendo que estava usando o acusado do crime para julgar a atitude de seu filho, certamente para vingar-se em função da dor que sentia, muda seu voto nos minutos finais.