sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Vincent Van Gogh e as crianças




O questionamento proposto no fórum de artes visuais moveu-me a postar uma atividade pregressa, aqui no portfolio.

O questionamento: quais os desafios que o professor encontra no ensino de artes? São desafios tanto materiais quanto humanos. A carência de material é óbvia, mas a ausência de vontade de fazer um bom trabalho não é rara. Dado que bons e maus profissionais teremos sempre e em todas as esferas do serviço público e privado, resta a cada um decidir de que lado quer ficar. Feita a opção pelo time que busca estabelecer objetivos e produzir conhecimento COM os alunos POR MEIO do trabalho de artes, procura-se dar um "chega pra lá" também na justificativa de que "nada faço porque não tenho o material que preciso". O "material" mais rico é o professor. Coloque um professor obtuso ou desestimulado em uma sala ambiente toda voltada para artes na melhor escola e o resultado será inferior ao daquele alcançado por seu colega em uma outra escola, sem um quarto destes materiais, mas que promove um olhar curioso por parte de seus alunos ao mundo que nos cerca. Dificuldades para que eu, Paulo, trabalhe com artes? Se me permitir contaminar com toda a espécie de "razões" para insistir na folha mimeografada para pintar, EMPRESTADA pela colega de série, estarei frente a maior das dificuldades: meu senso de valor limitado em relação a meu papel enquanto educador.


Um trabalho que muito gostei de fazer com uma turma de 4ª série, ainda em 2005, foi sobre a vida de Van Gogh. O início: os alunos levaram para casa um material impresso com uma pequena biografia do artista. Durante o final de semana tinham apenas duas tarefas com este material: lê-lo e destacar um fato que chamasse a atenção. Recordo os mais destacados: o fato de Van Gogh não ter seu trabalho valorizado ainda em vida. Sua depressão e demais problemas psicológicos. E algo inusitado de ser destacado: ser um homem muito feio. Coisa de criança mesmo (risos). Os alunos pensavam que todo artista certamente pertenceria ao topo da pirâmide social, todos se tornam celebridades com verdadeiras hordas de fãs a venerá-los e que são incontestavelmente felizes, com auto-estima irretocável 24 horas do dia. Após tal discussão, vimos parte do filme SONHOS, de Akira Kurosawa. Por que parte do filme? Para quem já o assistiu, sabe que a obra é dividida em episódios (os sonhos do título), e que um deles traz Van Gogh e sua obra como pano de fundo.

Os alunos encantaram-se como Akira Kurosawa transformava paisagens em quadros do artista, tanto quanto sentiram-se mais apropriados da história do pintor e de suas motivações para pintar suas telas. Já em sala de aula, cada aluno recebeu uma pequena reprodução de Noite Estrelada e uma outra com O Quarto. Foi identificação total: o quarto humilde aproximou-os do holandês que não era, como eles, celebridade em seu tempo. O céu noturno repleto de estrelas representava quase que um hobby que muitos deles relataram: ficar olhando estrelas à noite (lembro que, naquele momento, tive a certeza de que vivia um momento mágico com meus alunos poetas). Os alunos fizeram, então, uma interferência na obra de sua escolha. Lembro que uma imensa lua à direita da tela ganhou a forma de um ovo estrelado nas mãos de um dos pequenos. Outro, ousou ver nas árvores à esquerda um foguete pronto para ganhar os ares.

Enfim, fizemos uma exposição dos trabalhos no saguão da Escola. Ao lado da obra de cada aluno, a miniatura com a obra do pintor holandês Vincent Van Gogh. Já em 2007, é o professor daqueles alunos que faz semelhante interferência na obra de Velásquez, como tarefa da Artes Visuais.

Para concluir, uma evidência que salta aos olhos: definitivamente, nossos alunos são avessos à mediocridade.

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