sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Trabalhando com Macchi e Matto



O trabalho com os alunos de 3ª série a partir das obras da 6ª Bienal do Mercosul foi extremamente enriquecedor para o professor e os alunos, tornando ainda mais evidente que todos aprendem e ensinam o tempo todo.

Mas antes de relatar o trabalho, fica aqui meu registro do mais completo repúdio à atitude da viúva do artista Öyvind Fahlström, a qual proibiu qualquer registro fotográfico da obra do artista brasileiro tão pouco conhecido em seu País. Não importam as razões, todas beirando o insensato e a empáfia. O resultado de tamanha anacronismo, em tempos no qual um click de mouse pode tornar alguém conhecido ao redor do planeta, é catapultar Fahlström ao desconhecimento quase completo no Brasil. Sequer o site da Bienal traz imagens de sua obra junto às resenhas acerca de cada exposição monográfica.

Mas voltemos àqueles que permitiram fluir a arte a seu redor...

Foquei meu trabalho nas obras de Francisco Matto e Jorge Macchi. Para tanto, na semana em que desenvolvemos este trabalho, iniciei pela apresentação de um desenho de 20 minutos, gravado do canal Disney (SKY), no qual um personagem de nome Kuzco vivencia descobertas rodeado de pinturas dos povos andinos. Através do Google, cataloguei várias imagens com pinturas dos povos que viveram em Machu Pichu e demais regiões andinas, gravei-as em dvd e apresentei-as. Conversamos sobre as mesmas e percebi que os alunos prontamente estabeleceram uma relação entre o desenho animado, a indumentária do personagem e o ambiente pictórico em sua volta.

O mesmo recurso apresentou aos alunos a obra de Matto. A relação da obra do artista com os traços vistos no desenho foi imediata e unânime. Óbvio que os alunos levantaram a hipótese quanto nacionalidade de Matto: peruana. Falamos um pouco sobre o artista, uruguaio nascido em 1911 e falecido em 1995. Ampliamos os horizontes da pintura pré-colombiana e saímos um pouco de Cusco, a cidade considerada o “umbigo do mundo”, a mais importante do antigo império inca, retornando ao Uruguai e a obra de Matto.

A atividade prática que desenvolvi causou um verdadeiro furor entre os pequenos...

Cada um recebeu um folha A4 com margem, tendo retângulos e quadrados ao longo da mesma. A proposta, resumidamente, era desenhar dentro das formas geométricas cenas do cotidiano, seqüências de linhas, padrões geométricos, ... Enfim, a única “limitação” seriam os pequenos quadrados e retângulos estabelecidos nas margens. O resultado foi belíssimo, rico e curioso. Alunos imaginaram labirintos, planta baixa de residências, álbum de figurinhas e catálogo de produtos, além das cenas do cotidiano e de uma certa influência explícita da obra do artista e dos traços das pinturas incas.

Para trabalhar com Jorge Macchi, optei iniciar com um vídeo da cantora Bjork, no qual ela interpreta o papel de uma contadora de histórias. Contudo, ao abrir do livro, percebe-se que suas páginas estão em branco e que as histórias vão sendo impressas no papel a medida que acontecem no mundo real.

Usando o recurso do dvd, apresentei vários trabalhos de Macchi encontrados via Google, contando também um pouco da biografia do artista argentino. O enfoque foi a obra Speakers Corner, na qual várias aspas de diferentes tamanhos, retiradas de jornais, são expostas lado a lado. A primeira indagação do alunos foi determinante para o sucesso do trabalho que seria proposto: “Aonde estão as frases?” A conclusão dos alunos foi simples e profunda: “Ele retirou as palavras e cada um coloca ali o que quer.” Eu não poderia tecer melhor comentário.

Nosso trabalho prático foi justamente uma interferência na obra de Macchi. Cada grupo de três alunos, no máximo, recebeu novamente uma folha tamanho A4 e folhas de jornais e revistas, previamente selecionadas, trazendo frases entre aspas, de vários tamanhos. Os alunos adoraram a idéia de colar aspas sem as frases na folha A4. Para cada componente do grupo deveria ser colado um par de aspas, apenas retirando a frases entre elas antes de fixá-las no papel.

A idéia era escrever sobre o artista, a Bienal, algo assim; mas os alunos sugeriram que o assunto deveria ser outro (e aprovei a sugestão): a frase seria a resposta para uma pergunta simples. E o questionamento vencedor foi proposto pela aluna Tailini: “O que é arte?” Dentre as frases que os alunos escreveram, destaco as seguintes, tanto pela pureza de seu conteúdo quanto pela idéia que nos trazem desse público infantil que raramente visita um museu, vai a uma bienal, observa a arte nos espaços públicos das cidades, etc.

“Arte é um desenho bonito”.

“A arte é um quadro.”

“Arte é uma idéia em forma de desenho.”

“O que o pintor pensou e pintou no quadro.”

“Uma paisagem que faz a gente se sentir bem.”

“A arte faz a gente pensar.”

Concluo que pecamos ano após ano quando não privilegiamos a arte como espaço de comunicação e expressão para nossos alunos. Por que não existe um programa para as escolas de nosso município com o intuito de levar a arte aos alunos ou estes até os espaços de arte, da mesma forma que se investe em desporto, por exemplo? A arte nos proporciona conhecer melhor nossos alunos e estes a si mesmos, lapidando as relações, qualificando nossa prática educacional cotidiana.

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