domingo, 6 de dezembro de 2009

* Nossa fala é nossa? *



Montessourianos; tradicionais; tecnicistas; libertadores; críticos-sociais; piagetianos; construtivistas,... Onde nos encontramos? Ou onde nos encaixaram? O que alardeamos ser? Quando repetimos palavras deste ou daquele autor que conhecemos minutos atrás... É assim que pensamos todos os educadores? É realmente nestas palavras que acreditamos porque percebemos que são defendidas ou por que são um espelho de nossa praxis? Quando percebemos alguém exultante em função das teorias deste ou daquele estudioso, compartilhamos genuinamente de tal entusiasmo ou não detemos argumentos suficientes para defender uma postura distinta? No que acreditamos afinal: que é preciso ser isso ou aquilo (libertador, tradicional, construtivista,...) ou que, a despeito da bandeira que erguemos, nosso planejamento deverá possibilitar ao aluno tornar-se um sujeito melhor ao final de um ano letivo.

Contexto: cotidiano escolar do século XXI. Definitivamente, o discurso é outro quando comparamos aos primeiros anos de exercício do magistério (desde que tenhamos, no mínimo, uma década e meia de sala de aula). A ótica em relação à escola mudou. A escola brasileira não segue os mesmos princípios nos quais nossa educação fora construída junto ao seio familiar e, obviamente, em nossos tempos de educandos. E o que se ouve nos bastidores, ou seja, nas salas dos professores? Que muitas destas mudanças não são bem-vindas. A bem da verdade, sequer apreciamos certos vocábulos utilizados em situações cotidianas de nossa prática pedagógica quando percebemos a que servem.

Estive em uma confraternização familiar dias atrás, sendo eu o único professor entre cerca de vinte pessoas das mais variadas idades. Depois de conversarem sobre quanto tempo se passou desde a última vez que se encontraram, estas mesmas pessoas brindaram-me, sem qualquer aviso, com seu olhar particular sobre a educação brasileira. Cada pai, mãe, avó ou avó ao redor de uma imensa mesa relatava seus dissabores com a escola dos seus pequenos. Em momento algum qualquer elogio teve espaço. Tudo o que eu ouvia eram falas descontentes com os desmandos dentro das salas de aula, com o nível pífio de aprendizagem dos alunos e o flagrante despreparo deles para situações que a escola confere menor importância em sua práxis, ainda que burocraticamente se registre o contrário: conteúdos.
A respeito destes, Pedro (todos os nomes foram modificados por razões éticas), 52 anos, lembra: “Quando eu estava na escola, a gente tinha que aprender coisas que hoje as crianças não vêem mais. E olho todos os dias o caderno do Flavinho e tem sempre pouca coisa.”

Maria, com 56 anos, fala de avaliação do aprendizado: “Minha filha está preocupada, porque ela nota que a minha neta não sabe muita coisa, nem tabuada. Mas a menina nunca ficou em recuperação nem foi reprovada. Dizem que nem existe mais a recuperação e que agora os alunos passam de um ano para outro sem correr o risco de rodar.”

Um pai mais novo, Leandro, com 36 anos, mostrou-se aturdido com a decisão da escola em que estuda sua filha de 9 anos. A menina foi agredida por duas colegas no intervalo, chegando em casa assustada e não mais desejando retornar no dia seguinte para a escola. O pai procurou a direção para saber das providências que seriam tomadas em relação as outras duas meninas. O que ele ouviu o deixou furioso: “Nós já fizemos um acordo com as duas meninas e elas se comprometeram a não mais agir deste modo.” Leandro, enquanto narrava a história, estava realmente estupefato, destacando palavras ao final: “Fizemos um acordo? Se comprometeram? Agir deste modo? Minha filha chegou em casa com hematomas e a direção faz um acordo?” Ele relatou que não só vai entrar com um processo contra a escola quanto em relação aos pais das outras duas meninas, e que sua filha não mais estudará naquela escola. E encerrou dizendo que em seu tempo, “eles davam uma suspensão para quem fazia uma coisa dessas e até expulsavam quando era grave. Agora fazem um... que é isso... acordo? Até parece que estão decidindo quem faz o que em uma peça de teatro.”

É muito interessante quando deixamos nosso universo profissional cotidiano – a escola – e ouvimos daqueles que têm expectativas quanto a construção do conhecimento de seus filhos e suas reais chances de empregabilidade presente e futura o que compartilhei acima. Percebe-se nas falas transcritas preocupações que são genuínas, de pessoas bem informadas e que se encontram, com razão, inconformadas.

Por que seus filhos não conseguem sequer lhes dizer qual o resultado de 9 x 8? Por que lêem de forma tão mal articulada um texto? Por que sequer sabem determinar o assunto do texto que acabaram de ler ou, muito menos provável, interpretá-lo? Como pode uma unanimidade em qualquer sala de aula do ensino fundamental não ter noções dos clássicos da literatura universal?

São questionamentos que certamente não caberiam em um simples parágrafo. Como professor de séries iniciais desde 1988 já presenciei muitas mudanças no rumo da educação brasileira. Infelizmente, uma mudança bem-vinda jamais ocorrera neste mesmo período: seguimos amargando as piores posições no ranking da Educação da Unesco e não há indícios de que alguma alteração positiva e significativa ocorra. França, Alemanha, Japão, Estados Unidos e Reino Unido são as cinco nações que mais investem em educação. No Japão, país que me ofereceu a oportunidade de estudar seu sistema de ensino por cerca de dois anos letivos completos, as escolas exigem silêncio dos alunos no curso das aulas (exceto quando a participação é construtiva), o plano de curso é generoso em conteúdos, habilidades e competências, a avaliação é severa e os alunos têm deveres que julgamos inadequados – julgamos mesmo ou nos fazem crer que acreditamos ser parte de tal julgamento?

Sem hipocrisia alguma, que alunos a escola pública brasileira está formando: aqueles cujas chances de deixarem os postos mais baixos são reais? Ou serão eles futuros e eternos subalternos daqueles de quem se exigiu horas de estudo e aplicação diários. Afinal, quando fazemos acordos em lugar de estabelecer regras claras a ser cumpridas, quando permitimos punição a uma professora que repreendera um aluno que picha uma parede em escola de Viamão, que cidadão estamos deixando para nosso mundo?

Um comentário:

Patrícia_Tutora PEAD disse...

Querido Paulo, gosto muito das suas reflexões, você é um excelente professor. É uma pena o tempo estar tão curto, pois estes teus questionamentos dariam um belo debate. Abraços