sábado, 19 de setembro de 2009

* Relações cristalizadas na escola *



Quando se pensa educação, nada mais saudável que ver-se provocado à reflexão. Posto que nossos professores estimulam-nos a repensar o que nos parece irrefutável, a professora Caroline, em seu comentário sobre minha postagem acerca de Comênio, praticamente convidou-me a desconstruir certezas.

Acredito que praticamente na totalidade das esferas do conhecimento universal, o conhecido não justifica ignorar alternativas às práticas já estabelecidas em nossas escolas. As poucas exceções, algumas irrefutáveis, jamais perderão sua assertividade, não apenas por sua importância na trajetória da humanidade, mas porque continuam tão atuais quanto em sua época. Assim permanecem tanto os magníficos filósofos – Aristóteles, Platão, Sócrates – quanto os mestres que viveram sob a égide da divindade, Jesus Cristo e Buda. Isaac Newton e Einstein, Michelangelo e Da Vinci, Machado de Assis e Clarice Lispector, Freud e Jung, Madre Teresa e Francisco de Assis, entre outros, todos impingiram na história sua marca insubstituível. Entretanto, se ao novo se evitasse conferir uma aura de supremacia, nossa sociedade não teria a face que conhecemos: competitiva, extenuante, usurpadora - o esteio de um discurso pedagógico estéril. Estes são produzidos em diferentes momentos históricos e estabelecem critérios de legitimidade podendo ser tomados como verdade.

É interessante quando olhamos discursos que parecem tão contemporâneos e conseguimos localizar sua derivações. Acredito que um dos papéis do educador seja questionar tudo o que estabeleceu-se como atual e inovador.

Reporto-me às roupagens que recebe, de tempos em tempos, um mesmo discurso. Impossível não fazer referência a Santomé: "Termos como "interdisciplinariedade", "educação global", "centros de interesse", "metodologia de projetos", "globalização" sistematicamente aparecem, são descartados sem qualquer pudor para reaparecer com outra denominação. Aplica-se botox para que acreditemos estar diante da "pedra filosofal" da educação.

A utopia - "lugar que não existe" – cotidiana acerca de pensar um planejamento tendo como referencial a "realidade do aluno" frustra-me por ser factível mas a permanecer apenas como uma retórica cínica, a gargalhar de nossa conivência, de nosso silêncio.

É possível identificar que, invariavelmente, o projeto pedagógico das escolas mantém-se legitimado por mascarados discursos dominantes. Cabe ao professor não intimidar-se diante do cinismo da apregoada ingerência de todos os envolvidos na "construção" deste projeto. A verdadeira construção só poderá dar-se pelo enfrentamento do óbvio e aceito como inquestionável no processo de ensino-aprendizagem.

Um inquietante receio do professor que frente à provocação de despir-se de sua relação de poder entre quatro paredes e além delas (a causar toda forma de estresse no seio familar quando o aluno e sua família percebem-se reféns dos conceitos atribuídos exclusivamente pela capacidade do primeiro de corresponder às expectativas do professor), não apenas representa, mas é a justificativa de manter o que está posto. Não raro, ao deparar-se com a fala questionadora das relações hierárquicas entre os atores envolvidos na práxis pedagógica, talvez por agarrar-se de forma desnecessária ao que é familiar, sente-se paralisado o professor frente a necessidade de resignificar sua prática e "arriscar-se" a ver os educandos como seus pares.

A título de ilustração de minha afirmação das relações já cristalizadas nas escolas, pergunto: quem de nós não conhece a dinâmica do texto em sala de aula, mais precisamente o que está previsto de forma inflexível após a leitura ou contação de uma boa história? Percebi na pergunta de meus alunos um vazio em minha prática: “Vai ter perguntas depois, "né" professor?” Ou seja, o apreendido desde a tenra chegada à escola formataram neste aluno que uma história só se presta a preceder uma lista de perguntas.

Por fim, breves reflexões aos questionamentos da nossa professora Caroline:

1) O que o aluno deseja?

Se ainda não direcionamos tal questionamento ao próprio aluno, permaneceremos no seguro terreno das conjecturas a respeito.

2) Como ensinar o que o aluno deseja?

Permitindo a este subestimado educando que nos indique tanto “o que” quanto o “como” pensar nossas estratégias de ensino aprendizagem.

3) E o currículo? Não seria este um artefato cultural que produz desejos de aprender?

Sem sombra de dúvida. Contudo, permanece o currículo como um desenho pedagógico exclusivamente nas mãos do professor.


SANTOMÉ, Jurjo Torres. As origens da modalidade de currículo integrado. In:______. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p.9-23.

Fonte do desenho no topo da postagem: HARPER, Babette et al. Cuidado, Escola! São Paulo: Brasiliense, 1980

2 comentários:

Unknown disse...

Paulo! Queria apenas registrar que li tua postagem e fiquei muito contente em sentir que a interdisciplina Didática está potencializando as tuas reflexões e produzindo efeitos na tua formação na PEAD. Eu gostei muito das tuas idéias e da qualidade da tua produção escrita. Um abraço, professora Caroline.

Paulo disse...

Cara professora Caroline:

Muito obrigado por suas palavras acerca da minha pequena produção aqui no portfólio. Suas atividades têm provocado reflexões e , principalmente, suscitado o desejo de saber mais.

Um abraço.

Paulo