segunda-feira, 7 de setembro de 2009

*Comênio sempre atual*




Vivemos em uma sociedade do consumo e do descarte. Assumimos que necessitamos de algo para, assim que surja uma novidade, esquecermos o que nos encantara anteriormente.

No terreno das ideias não raro somos assolados por modismos. Cada década parece ser marcada por um mosaico de novas teorias importadas, geralmente em processo falimentar assim que aportam em nosso País, justamente por vivermos sob uma égide capitalista também na pedagogia, numa busca incessante de novos paradigmas.

Sob tal enfoque, obviamente seria uma tarefa hercúlea ter um mínimo do tempo e atenção alheios para preceitos escritos em 1638. No terreno da educação, confere-se importância ao que diz respeito à nossa contemporaneidade. Uma destas "modernidades" institui que conheçamos a realidade de nossos alunos e que a partir de uma pesquisa sócio-antropológica, tenhamos condições de nos propriarmos dos anseios da comunidade escolar para bem planejarmos nosso ano letivo.

Pois há mais de 300 anos, o "pai" da Pedagogia justamente nos orientava para a importância de partirmos da percepção do aluno para os elementos a seu redor e suas interações, utilizando-se da observação e demais sentidos, em um indiscutível viés para que reflitamos acerca de pensarmos nosso planejamento tendo como referencial a "realidade do aluno."

Em 1658, Comênio publicava seu Orbis sensualium pictus - O mundo em imagens - que viria a ser o primeiro livro didático ilustrado da História da Pedagogia. Figuras de animais e seres humanos, seguidas de onomatopeias para imitar seus sons e ruídos, acrescidas da primeira letra que representasse os elementos representados. Notadamente, fez-se uso do que era familiar aos educandos, de forma que aos alunos fosse possível experimentar in loco o que o livro trazia.

Cabe aqui registrar brevemente que os livros didáticos japoneses para as séries iniciais trabalham exclusivamente a partir do cotidiano dos alunos. Todas as ilustrações destes livros são uma representação dos bairros e das cidades nais quais vivem os alunos. Meu professor orientador no Japão na
Shimane University
- Akinori Hada - era representando do estado em que eu residia - Shimane - e consultor do Ministério de Educação japonês para a criação e publicação dos livros que seriam utilizados nas escolas. Desta forma, pude inteirar-me que, para o governo japonês, é imprescindível ao planejamento pedagógico das instituições de ensino japonesas sempre trabalhar a partir do entorno e da percepção de seus alunos dos elementos que os cercam.

Ficam aqui alguns questionamentos:

1. Partir da realidade do aluno é uma proposta utópica em nossa cultura?

2. Como livros didáticos que dessem atenção para o entorno do aluno fariam diferença no processo de ensino-aprendizagem?

3. Sob quais alicerces pedagógicos nossa prática reside?

Encerro com duas afirmações de Comênio: 

“Deve-se começar a formação muito cedo, pois não se deve passar a vida a aprender, mas a fazer.”

“Age idiotamente aquele que pretende ensinar aos alunos não quanto eles podem aprender, mas quanto ele próprio deseja.”


Referências bibliográficas:

FERRARI, Márcio. Título: Pedagogia - Comênio. Nova Escola on line.
Julho, 2008. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/comenio-307077.shtml Acesso em: 07 jul. 2009.

DOLL, Johannes; ROSA, Russel Teresinha Dutra da. A metodologia tem história. In: (orgs.). Metodologia de Ensino em Foco: práticas e reflexões. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p.26-29






Um comentário:

Unknown disse...

Paulo! Tua reflexão é muito boa e me convidu a continuar pensando... Seguem alguns comentários. Nem sempre o velho é melhor que o novo! A super valorização do novo é uma herança do pensamento moderno que deve ser questionada! Os discursos pedagógicos são produzidos em diferentes momentos históricos e estabelecem critérios de legitimidade podendo ser tomados como verdade. É interessante quando olhamos discursos que parecem tão contemporâneos e conseguimos localizar sua derivações. Nosso papel é desconfiar de tudo o que nos parece “natural”.


Mas, deixo mais alguns questionamentos a partir das tuas perguntas:


Em relação à utopia de partir da realidade do aluno, podemos tomar os livros didáticos como exemplo para levantar algumas idéias. É possível identificar que estes são produzidos apoiados discursos dominantes em relação à muitos conteúdos. O professor não precisa silenciar-se frente a eles mas, provocar os alunos a levantarem questões sobre tudo que parece óbvio e de uma única maneira. Daí podemos contemplar as diferentes realidades e não apenas aquelas veiculadas nos materiais que, de alguma forma, afirmam certos referenciais.

Não precisamos esperar que os livros didáticos dêem atenção para o entorno do aluno. Podemos começar o movimento... Mesmo que eles não contemplem as diferentes realidades dos alunos, o professor pode trazê-las para a sala de aula ao não silenciar-se frente aos discursos hegemônicos. Partindo destes materiais podemos possibilitar um processo de autorização, em que o estudante sinta-se autorizado à fazer perguntas. Assim, penso que o processo de ensino-aprendizagem poderia favorecer um processo de transformação que aconteceria conforme os sentidos produzidos pelos próprios alunos sobre os conteúdos escolares.
Por fim, uma provocação: O que o aluno deseja? Como ensinar o que o aluno deseja? E o currículo? Não seria este um artefato cultural que produz desejos de aprender? Que tal fazer uma conexão com o texto que tanto gostaste do Santomé? Vou ficando por aqui, pois já “viajei” um tanto a partir da tua reflexão. Seguimos em conexão... Um abraço, Professora Caroline.

OBS: Paulo, tu fizeste um intercâmbio no Japão? Que interessante...