domingo, 12 de abril de 2009

O Dilema do Antropólogo


Pessoalmente, sou fascinado pela Filosofia. Este amor pela sabedoria é uma definição que me seduz por completo.

Não conhecia o "dilema do antropólogo francês" e esta curta história fez-me pensar intensamente acerca da decisão tomada pelo seu personagem central.

Em resumo: Claude Lee chega a uma ilha da Polinésia a fim de estudar uma civilização que a habita. Os nativos acreditam que homens de pele branca são mensageiros dos deuses e que tudo o que disserem deverá ser obedecido. Ele mente acerca de sua real condição de mero e ordinário mortal, levando adiante a crença dos nativos, pois decide que o correto é alimentar esta crença já arraigada para evitar alguma interferência cultural.

A proposta da atividade é que nos coloquemos no lugar do antropólogo e decidamos qual decisão tomar...

Acho pouco provável que eu mentisse. Caso eu confirmasse ser um mensageiro divino, abriria precedentes para aqueles que chegassem posteriormente à ilha afirmarem qualquer brutalidade enquanto desejo dos deuses. Ou seja, minha mentira apenas garantiria que este povo permanecesse vulnerável a um "deus branco" que chegasse após minha partida. Porém, será que minha fala, isolada em um átimo de tempo em sua construção enquanto civilização, faria alguma diferença? O que considero é que este povo talvez considerasse uma blasfêmia o que eu viesse a dizer contrário as suas crenças.

Mas sinto a angustiante necessidade de contribuir com uma alternativa; alguma que não contrariasse meus princípios (estranho: o antropólogo mentiu em nome de seus princípios). Como a verdade em qualquer circunstância é um princípio irretocável para mim, à pergunta que me fosse feita eu responderia não ser um deus ou mensageiro de algum, ainda que da cor dos deuses (e por que os deuses precisam ser brancos afinal?). Afirmaria que sou filho de um deus, o que não seria mentira, pois além de tal afirmação não ferir meus princípios, está de acordo com minha fé religiosa.

Contudo, há um senão nesta minha afirmação: como eu poderia afirmar ser filho de um deus - uma verdade sob meu ponto de vista - e não revelar-lhes que eles também o são segundo esta mesma fé? Estaria eu incorrendo na omissão, escolha que não me parece melhor que a mentira.

Mas como a questão me parece ser a importância incontestável de não macular a cultura deste povo, entre a mentira e a omissão, neste caso em particular eu optaria pela segunda, pois a primeira traria como consequências a dominação estrangeira, bastando apenas uma questão de tempo para tal.

Como não acredito que os fins justificam os meios e que mentir possa fazer parte do cabedal de princípios de uma pessoa, não posso aceitar tal decisão como sendo a melhor para a civilização da ilha polinésia. Basta atentar para a afirmação "o antropólogo mentiu porque é fiel a seus princípios."

Reitero o que antes afirmei: minha palavra, isolada em um átimo de tempo, não fará significativa diferença para esta civilização. Talvez até considerassem uma blasfêmia se eu negasse ter alguma ligação com os deuses. É possível afirmar que se tem um elo com os deuses, mas não usando o manto da mentira. Em suma: não sou dos deuses um porta-voz, mas deles descendo. Contudo, tenho que considerar que tal revelação poderia ser ainda pior sob certo ponto de vista, pois ser filho dos deuses poderia, aos olhos polinésios, conferir ainda mais poder ao homem branco. 

Eu próprio experimentei um dilema ao tecer minhas considerações anteriores, pois se sou descendente dos deuses, também eles (o povo) seriam, de acordo com minha fé cristã. Entretanto, passados os primeiros dias da atividade, ainda angustiado com tal questão, percebi que eu não precisaria omitir nem mentir. Quando afirmo que descendo dos deuses, o faço porque esta é minha cultura. Não há uma única prova de que seja verdadeiro; apenas creio. 

Procurando resolver o dilema "se sou filho dos deuses eles também o são, e não quero mentir nada acerca de minha suposta divindidade, mas também não é meu desejo feri-los em sua fé", ponderei:

Como esta civilização não tem a mesma fé e cultura, basta que eu diga que sou filho dos deuses, assim como os demais homens brancos o são - portanto, respeitando minha crença, não mentindo - não havendo necessidade de dizer-lhes que também são filhos deste mesmo Deus, pois isto é o que minha fé prega, não a fé deles. Respeitando a fé alheia, ou seja, não interferindo com uma mentira ou omissão, não os estarei expondo à exploradores sem escrúpulos, nem sequer maculando-os no que acreditam. Ao afirmar que descendo dos deuses, amplio sua perspectiva acerca do homem branco. 

Qualquer interferência é danosa, mesmo quando intenta fazer o que acha correto. O que é o certo afinal quando as culturas são tão distintas? Não resolvi o dilema, de modo algum, pois seria muita presunção de minha parte. Contudo, afirmo que a mentira a permanecer se torna um esteio para a futura e inevitável escravização.

Existe uma imensa incongruência entre seguir princípios e mentir. Exceto se um dos princípios daquele antropólogo fosse justamente uma vida envolta em farsa e dissimulação. Mas não posso teimar e parecer um obtuso: seu princípio segue sendo não macular culturas.

Existe um paradoxo nesta situação: a mentira e os princípios. E o paradoxo é justamente essa impossibilidade da mentira caminhar de mãos dadas com o que entendemos por princípios morais.

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