domingo, 20 de junho de 2010

Afetividade em Vigotsky

Para Descartes, existimos ao passo que pensamos. E é só! Não há qualquer menção ao sentir, qualquer sinal de relevância ao interagir. De fato, pela ótica cartesiana, o ser humano é apenas racionalidade, predominando durante séculos uma dissociação entre razão e emoção. Para Platão, a natureza humana é racional. “Agir moralmente é agir racionalmente, e agir racionalmente é filosofar, e filosofar é suprimir os sentidos, morrer aos sentidos, ao corpo, ao mundo, para o espírito, o inteligível, a idéia. (Padovani e Castagnola, 1990, p. 119). Encontramos semelhante dissociação em Kant, para quem as paixões são as enfermidades da alma.

 

Ao encontrarmos Vigotsky, percebemos o caráter indissociável entre aprendizagem e a interação com o outro. Poderíamos afirmar que, ao contrário de Descartes, para Vigotsky, somos porque interagimos. De acordo com a perspectiva sociointeracionista, aprendizagem é um fenômeno possível através da interação entre indivíduos.

 

Vigotsky opõe-se às teoristas dualistas, as quais separam, por exemplo, mente e corpo, razão e sentimento. Para Vygotsky, a compreensão do pensamento humano só é possível quando se considera sua base afetivo-volitiva, uma vez que as dimensões do afeto e da cognição estão desde cedo relacionadas íntima e dialeticamente. Por sua vez, a vida emocional está conectada a outros processos psicológicos e ao desenvolvimento da consciência de um modo geral. (Oliveira e Rego, 2003)

 

Em Vigotsky, a razão não é castradora do sentimento, das emoções. Pelo contrário, a racionalidade está a serviço de uma vida mais madura, mais afetiva, posto que a primeira controlaria nossos impulsos mais primitivos, conferindo refinamento ao sentir. Como para o autor os sentimentos estão ligados aos significados construídos dentro de um contexto social, nossos modos de pensar e de sentir estão carregados de conceitos sócio-culturais. Deste modo, o homem aprende a pensar, falar, sentir e agir de acordo com a cultura na qual está inserido. Um ocidental pensa e sente diferente de um oriental ou de um mulçumano. O conceito de fidelidade e de ciúme, por exemplo, é diferente de acordo com a cultura. Do mesmo modo, o medo da morte está relacionado à crença na vida depois da morte ou à reencarnação... (Oliveira e Rego, 2003).

 

Ao estudarmos o comportamento humano e sua psique, devemos atentar para quatro pontos, de acordo com Oliveira e Rego: a história da espécie, do indivíduo, do grupo cultural e dos processos psicológicos desta pessoa. O sujeito é o resultado da dimensão cognitiva e afetiva que ele próprio concebe de si mesmo. A forma como responde ao mundo, interagindo com os outros, está diretamente ligada a abordagem que ele construiu enquanto membro de sua espécie.

 

Quem separou desde o início o pensamento do afeto fechou definitivamente para si mesmo o caminho para a explicação das causas do próprio pensamento, porque a análise determinista do pensamento pressupõe necessariamente a revelação dos motivos, necessidades, interesses, motivações e tendências motrizes do pensamento, que lhe orientam o movimento nesse ou naquele aspecto. (Vigotski, 2001, p. 15-16)


REFERÊNCIAS

Arantes VA. Afetividade e cognição: rompendo a dicotomia na educação. In: Oliveira MK, Rego T, organizadores. Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo(SP): Moderna; 2002.

OLIVEIRA, Marta Kohl; REGO, Teresa Cristina. Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto. In: ARANTES, Valéria Amorim (org). Afetividade na escola. São Paulo: Summus, 2003.

PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 15ª ed. São Paulo: Melhoramentos,1990.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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