domingo, 30 de maio de 2010

E quando algo dá errado?




Imagine a situação: você está na sala de aula para mais uma tarde de trabalho com seus alunos. Preparou as atividades com um dia de antecedência. Todos os recursos a utilizar foram separados e testados de antemão. Liga o notebook, o projetor de imagens e a caixa de som. Enquanto eles “aquecem”, inicia a tarde passando a agenda do dia no quadro e inicia a história de um livro que você lê diariamente para seus alunos. Contudo, tão logo você termina de contar uma história, momento inicial de todas as tardes, ao voltar-se para o notebook percebe que a seta do mouse não se move, não importando o quanto você insista. Você empreende um diálogo além do necessário acerca da história, enquanto acredita que tudo se resolverá caso desligue e ligue o notebook.



Enquanto isso você segue falando pelos cotovelos sobre a história. Os alunos devem estar pensando que você gostou mesmo daquela história e alguns, inclusive, participam com mais alguns comentários. Um instante depois, você descobre que tão logo o notebook reinicia, ele trava novamente, tudo sendo assistido no telão pois, óbvio, você esqueceu de desligar o projetor.


Na terceira tentativa, enquanto você fala, fala, fala, o notebook travou outra vez. Um aluno chega a brincar a respeito, dizendo que deveriam rezar para que ele funcionasse. Antes que um primeiro comentário comece a tomar ares de "gracinhas", você prontamente propõe que passem para a atividade seguinte, a qual não depende da anterior para ser aplicada, ainda que perca um pouco do sentido se não houver uma introdução improvisada e sensível de sua parte. Para encerrar, acrescente a todo este cenário a sua supervisora de estágio sentada ao fundo da sala.



Esta situação, vivida por mim na semana passada, fez-me pensar em uma reflexão acerca do improviso em sala de aula. Mas não me refiro ao improviso como prática constante, em função da ausência de um planejamento responsável.

Perrenoud nos diz que “no desenvolvimento de sua pratica pedagógica, por mais bem planejada que esteja, uma parte da ação do professor é controlada por esquemas de percepção, pensamento e decisões que fogem à sua previsão ou mesmo à sua consciência.( 2001, p.158)


Foi um momento de improvisação, não por falta de planejamento,mas pela imposição de um contratempo alheio à vontade do professor. No tocante à improvisação, outra vez Perrenoud salienta que "transpor, diferenciar, ajustar os esquemas disponíveis, coordená-los de uma maneira original. O professor sai, então, da sua rotina, na medida em que se encontra perante um problema novo” (1993, p.39).


E qual proveito tirar de tal situação?


Tão logo os alunos concluíram a atividade que fora antecipada, voltamo-nos para o notebook.


Foi isso mesmo que fizemos: o travamento do notebook tornou-se problema de toda a turma. E, lugar de continuar tentando resolver a questão nos bastidores, percebi que poderia transformá-la em momento de aprendizado. Afinal, um desafio cognitivo pode surgir sem aviso, como neste caso. As sugestões dos alunos foram inúmeras:



1. Ligar o notebook só na bateria;
2. Desconectar o notebook do projetor;
3. Observar se o notebook trava assim que liga ou depois de alguns minutos;
4. Usar um programa que corrige erros no computador.



A primeira mostrou-se ineficaz. A segunda, idem. Quando chegamos à terceira, notamos que ele “congelava” depois de alguns minutos ligado e sem utilização. Passamos para a quarta sugestão e utilizamos um software de correção. Não por acaso, o notebook não travou mais naquela tarde. O aluno que sugeriu o uso do software experimentou uma satisfação pessoal que só conhecem os vencedores. Notei um grande respeito por parte da turma para com ele.



Esta situação encontra luz em Julio Aquino. Segundo ele, “[...] quando assim se desprezam os erros presentes nas concepções infantis, não somente o adulto rebaixa a auto-estima das crianças, levando-as a abandonar seus esforços espontâneos de reflexão, como ele se priva de importante base para suas pretensões educativas. De fato, sendo a inteligência uma organização e o seu desenvolvimento uma constante reorganização, deve-se sempre partir do que a criança sabe ou pensa saber para que aprenda e se desenvolva. Fazer de conta que ela nada pensa, de que ela nada sabe, não somente a humilha como a leva a confundir aquilo que, por conta própria, elaborou com o que lhe é ensinado.” (1997, p. 31)



AQUINO, Julio G. (coord.) Erro e fracasso escolar: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997.


Perrenoud, Ph. (2001). Porquê construir competências a partir da escola ? Desenvolvimento da autonomia e luta contra as desigualdades. Porto : ASA Editores.

2 comentários:

Patrícia_Tutora PEAD disse...

hehehe pois é Paulo, nem sempre a tecnologia favorece, mas nos eu caso acabou dando tudo certo, pois mesmo no improviso conseguiu trazer novas aprendizagens para os seus alunos.

Abraços

Paulo disse...

Poxa Patrícia, que momento para o notebook travar! Mas a professora Luciane foi muito gentil e considerou o todo, principalmente porque não comprometeu o desenvolvimento do trabalho. Só me faz pensar que numa sala de aula o ser humano sempre será o elemento-chave para a construção do conhecimento.
Um abraço.
Paulo