
A você que chegou até aqui, duas perguntas:
1. Qual o grau de insegurança que você experimenta em seu local de trabalho?
2. As seguidas reportagens de violência nas escolas que a TV exibe já bateram à sua porta ou, pior, em sua face?
Com uma certa freqüência, a televisão tem mostrado cenas de violência contra professores e uma flagrante impunidade favorecendo os alunos agressores. Ainda que amparados por lei, a qual pode inclusive privar da liberdade o agressor, o professor parece ignorar que seu silêncio, apatia e anuência alimentam aquele que o fere.
Imaginem os colegas o que é estar em uma sala de aula, com um número considerável de alunos, sabendo que qualquer um pode estar com uma arma. Esta foi a atmosfera de trabalho em minha Escola nesta semana. Em retrospecto, foi a semana mais difícil em duas décadas de magistério sob minha ótica particular. O quão mexe na psique de um professor o aviso de que chegou uma denúncia nada anônima na Escola (foi feita presencialmente) de que VÁRIOS alunos entraram armados naquele horário para vingar um amigo que fora agredido na véspera? Podem estar certos que mexe, e muito, com o emocional de qualquer um.
Fomos para as salas com um estranhamento que, sabemos, tem nome: inadequação. Uma miríade de sentimentos tal que, em resumo, afirmo: estávamos com medo e, ao mesmo tempo, indignados. Meu planejamento para aquela noite era o trabalho com adjetivos (em inglês), utilizando fotografias de revistas, as quais os alunos colariam no papel pardo, escrevendo ao lado qual o adjetivo que tal imagem evocava.
Cada um aqui no PEAD sabe o quanto nos preocupamos com nossos alunos, a ponto de dar prosseguimento ao planejado, sem revelar-lhes que seus professores trabalhavam sob a égide do medo. Mas medo de quê? Ora, medo da morte – bala perdida não faz distinção de caráter, não separa aluno, professor e bandido.
Mas tínhamos orientação clara da equipe diretiva de avisarmos os alunos a respeito, algo que optei por fazer mais para o final da aula, enquanto a direção chamava a Brigada (que não veio) e a Guarda Municipal, a qual nos atendeu prontamente. A quem não passou por tal experiência – trabalhar com a certeza de que alunos estão com armas em seus bolsos imensos nas suas calças largas (uma espécie de uniforme entre eles, o qual os identifica de algum modo) e sair da escola escoltado pela Guarda – posso assegurar que revolta tremendamente.
Ao amanhecer, a Brigada procurou por armas ao redor da Escola. Repito: ao amanhecer, ou seja, horas e horas depois.
Na noite seguinte a denúncia repetiu-se. Novamente aquela sensação de impotência e desamparo, de pouco caso por parte do empregador, para os quais somos quase nada além de um mero número de matrícula para fins de folha de pagamento. Enquanto nos preparávamos para deixar a Escola, após o horário regular das aulas, ouvimos três disparos. Poucas quadras além da Escola tentaram balear um aluno. A bem da verdade, alunos X alunos.
Não sei se meu retorno na noite seguinte foi por garra, determinação ou força, como alguns aqui afirmam ser características do educador. Talvez tenha sido apenas um misto de responsabilidade (em função dos alunos) com necessidade (em função do emprego) e insensatez (definitivamente teve muito de insensatez). Colegas confessaram estar medicados com ansiolíticos, tranqüilizantes, além de toda a espécie de chás que prometiam alguma serenidade interior. Mas a noite nos reservara uma verdadeira selvageria após soar o sinal do término das aulas: alunos, revoltados com um pai que bateu no enteado, e que também é aluno, armaram uma emboscada, com o objetivo de passar-lhe uma lição como jamais vira.
Impossível descrever a gritaria, o som dos socos, os ruídos de toda espécie provocados por pancadas, chutes, pauladas e, felizmente, nenhum tiro. Eu e meus colegas estamos extremamente chocados com o ocorrido. E o empregador?
Uma colega do PEAD - Carmem Valéria - em postagem anterior a minha pedia autorização dos colegas para levar ao Sindicato que representa os professores de Gravataí as nossas falas. Valéria afiançava que resguardaria a autoria das mesmas, algo que em meu caso particular dispenso. Eu acato totalmente a sugestão de tornar as postagens do fórum uma denúncia. Vou além: penso que o fórum em questão deveria ser um permanente espaço de trocas, pois as máscaras caíram todas ao longo de páginas que não cessam de ser acrescidas. Não li sequer um único blábláblá, verborragia desnecessária quando o que se almeja é a transparência.
Dada a importância do conteúdo do conteúdo do fórum, acredito nele como ponto de partida para uma publicação. Gasta-se tanto em livros tão ruins, vazios, e que nenhuma relação guardam conosco, que um livro sobre o cotidiano desnudo da educação, escrito por quem está na linha de frente (não apenas em gabinetes herméticos), está mais do que na hora de ser disponibilizado.