
Em sala de aula, talvez mais do que em qualquer outro contexto, os diversos pontos de vista podem gerar apenas conflitos – pois conflitos sempre serão gerados – ou serem utilizados como esteio para um excelente e enriquecedor debate, funcionar como uma saudável explosão de ideias.
À metáfora “cruzar o rio”, sempre lembrada pela professora Luciane, faço uma ponte com o Rubicão, que é uma verdadeira linha divisória da história de Roma. Cruzar o Rubicão, cruzar o rio, é o abandono das coisas do modo como estão dadas. Cruzar o rio é romper com as relações verticalizadas na escola, é desconstruir as relações cotidianas – aceitas – de poder na sala de aula, nos corredores, entre professores e destes para com os alunos, entre pais e professores, etc. Na medida em que cruzamos o Rubicão romano inevitavelmente estaremos a vislumbrar não exatamente outros indivíduos e diferentes cenários. A bem da verdade, a nossa volta estarão as mesmas pessoas e, dentro ou fora da metáfora, estarão estas praticamente no mesmo lugar. O que se torna diferente é o approach com nosso entorno, nosso ponto de vista que se modifica e o quanto permitimos ao outro fazer parte de palco que exclusivamente a nós, professores, pertencia. Cruzar o rio é compreender que não apenas existem outras pessoas, mas que com elas interagimos, paulatinamente deixamos de carregar para a sala de aula a única alternativa aceita do discurso. Tanto nos inteiramos da coexistência do outro em nosso cotidiano que pontos de vista diferentes e até conflitantes tornam-se provocadores de reflexão, não mais de repúdio.
Piaget afirma que a afetividade é o primeiro passo para que cruzemos o rio. Penso que só empregamos movimento na direção do outro quando nos descobrimos pares e não partes em um processo de ensino-aprendizagem. Se o professor experimentar lançar-se nas águas e, com seus alunos, aventurar-se cotidianamente, perceberá estar compartilhando com seus alunos a responsabilidade para que o processo se efetive. Ao contrário, se o professor permanecer em uma margem e seus alunos mantiverem-se na margem oposta, será muito improvável que, a tal distância, possam sequer conhecer-se; o que dizer de construir algo juntos.
Mas ainda que esta seja uma bela metáfora – cruzar o rio – a postura com que empreendemos esta travessia trará consequências inevitáveis, como seguem:
Opção 1: Professor indiferente, não muda seu planejamento sob hipótese alguma: Quando ouve falar acerca de “cruzar o rio”, só imagina aquele manancial barrento ou poluído. Cruzá-lo? Nem pensar! É bem mais seguro ficar em terreno conhecido e previsível, sem surpresas (que bem podem ser agradáveis);
Opção 2: Professor receoso, fazendo algo porque disseram que deve ser feito: Ao tentar cruzar o rio sem segurança, correrá o risco tanto de afogar-se quanto imputará em seus alunos, obviamente, o mesmo receio;
Opção 3: Professor seguro do que empreende: Cruza o rio com a postura inerente de quem sabe onde deseja chegar, alcançando a outra margem com um prazer evidenciado pelo semblante feliz. Aos olhos de seus alunos, tamanha felicidade só pode ter uma única razão: é muito prazeroso cruzar este rio.
Somente o professor ilustrado na terceira opção convencerá seus alunos a jogarem-se nas águas, ainda que não precise dizer uma única a palavra com o intuito de angariar adeptos à travessia. O sorriso farto e sincero – linguagem internacionalmente usada para expressar felicidade genuína – os encantará bem mais do que todas as palavras que ele pudesse empregar.
E quanto a convidar ou não nossos alunos para cruzar o rio, não residem dúvidas: podemos estimulá-los a atravessá-lo por conta própria. Cabe aqui, contudo, ponderar: é papel do bom educador preparar seus alunos para tanto, permitindo-lhes intuir quando é chegada a hora. É esta lacuna entre o momento que o mestre encontra seus alunos e o instante em que eles próprios se jogam nas águas, certos de estarem preparados, a minha metáfora pessoal para convivência.